Pr. Walter Santos Baptista
"Depois [Isaque] subiu dali a Berseba. Apareceu-lhe o Senhor naquela mesma noite, e disse: Eu sou o Deus de Abraão, teu pai. Não temas, pois eu sou contigo; abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de Abraão, meu servo. Então edificou ali um altar, e invocou o nome do Senhor. Armou ali a sua tenda, e os seus servos cavaram um poço" (Gn 26.23-25).
Este é o diário de Isaque. Registra o que ele fez num único dia., pois, após ter acampado no vale de Gerar, abriu os poços cavados por Abraão, seu pai, e que haviam sido entulhados pelos filisteus (vv. 15, 18). Tiveram seus pastores uma altercação com os colegas da região por causa de um desses poços de água nascente (vv. 19, 20). Outro poço foi cavado, e nova contenda (v. 21), e mais outro, desta vez em paz (v. 22).
Nesse ponto, vai a Berseba, onde recebe a bênção de Deus, e, ao surgir do novo dia, erige um altar, arma uma tenda e abre um poço, tão indispensável à vida. Nestas três palavras, há implicações profundas para a vida de qualquer família.
Invertendo a ordem, extraiamos as lições:
"... seus servos cavaram um poço" (O POÇO)
O poço é a representação do trabalho. Na cultura pastoril de Israel, o poço era essencialíssimo à existência. Aliás, não é preciso ir longe: onde não há água encanada, nas áreas rurais, poços, cacimbas são imprescindíveis. Do poço viria a água para dessedentar homens e gado: sem água, a vida fenece.
Em toda a Bíblia, a água é símbolo de satisfação de sede profunda: "Tu visitas a terra, e a refrescas; tua enriqueces grandemente. O rio de Deus está cheio de água, para dar cereal ao povo, pois assim a tens preparado" (Sl 65.9). E, ainda, "O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas" (Sl 23.1,2; cf. Is 44.3,4; 55.1a; 58.11; Jo 4.10, 14; Ap 7.17). E como Deus dá os poços para as necessidades físicas, biológicas, também dá água viva para satisfazer as demandas espirituais (Is 55.1a; Jo 4.10,14).
O poço representa uma circunstância em nossa vida: o trabalho, que na Escritura Sagrada significa a rotina pela qual nós ganhamos o pão nosso de cada dia. Aliás, o ser humano nasce destinado, e não, condenado ao trabalho (Gn 2.15). Sua tarefa é gerenciar o mundo, administrá-lo, melhorá-lo pelo labor até a plenitude prevista por Deus (Rm 8.19).
A Bíblia não autoriza a pensar no trabalho como maldição. Gênesis 3.17-19 nos leva a ver que as más conseqüências, aparentemente do trabalho, o são, sim, do pecado dos primeiros pais: a dor, o cansaço, o sofrimento, as condições injustas e abaixo de humanas, a discriminação, os salários de sobrevivência. Não; a maldição foi sobre a terra. E esse pecado, e essa terra, agora maldita, trouxe descompasso na família entre o homem e a mulher (Gn 3.12), e entre o ser humano e outro pessoal (Gn 4.8).
O trabalho, porém, é moral e espiritual. Como tudo se encaixa tão bem no plano cósmico de Deus (cf. Sl 104. 24, 19-23. E como valor moral e espiritual, deve ser repassado à família, e estar a serviço, e para a perfeição da família. Se assim é, necessário se torna pensar em compatibilizá-lo com o tempo dedicado aos filhos. Um jornal de nossa cidade estampou a manchete que dizia "Pais ingleses dedicam 40 segundos por dia aos filhos".
Há filhos que têm verdadeiramente "fome de pai", carência da figura paterna. O ator Tony Leblanc ponderou: "Sinceramente, penso que muitos males de que padece a sociedade, e o casal em particular, são conseqüência do pouco tempo que os pais dedicam aos filhos". E porque o trabalho se inspira nos mais profundos e expressivos valores espirituais, é convertê-lo em amor. Afinal, 1Coríntios 16.14 o ensina muito bem: "Fazei todas as vossas obras com amor".
É passar aos filhos a suprema lição de santificar o trabalho, santificar com o trabalho, e mais ainda, santificar-se no trabalho!
"Armou ali a sua tenda" (A TENDA)
É a vida familiar, a vida comum, as relações domésticas. A tenda representa deveres, lealdades, afeições, e está sob a proteção da comunhão com Deus.
Mas, que contraste: a casa de Isaque não tinha a solidez e o nível de conforto que hoje conhecemos. Pelo contrário, era frágil, muito frágil.
Pois é; nossa civilização é complexa, tecnicista e, até, desumana. Há sempre o perigo de ficarmos tão satisfeitos com o que possuímos, que não alcançamos a comunhão espiritual que deve caracterizar a vida do cristão. Com a pressa a que nos habituamos, com a correria a que nos acostumamos, há o perigo de se perder as pequenas e as grandes descobertas no lar:
· A alegria das pequenas vitórias diárias;
· O agradecer voltar para casa ao fim do dia;
· O crescimento dos filhos;
· O desenvolvimento deles na escola, na vida. De repente são adolescentes, jovens, e não vimos isso acontecer...
É; a tenda é a vida da família.
Como é o lar ideal pela Bíblia Sagrada? Qual a receita?
· É o que tem harmonia, e, conseqüentemente, paz (Mt 12.25);
· Nele, a vida de piedade é uma constante (1Tm 5.4);
· Provérbios 15.17 ("Melhor é um prato de hortaliças onde há amor, do que o boi gordo, e com ele o ódio") diz com clareza absoluta que o amor é mais do que necessário;
· No lar ideal, há diligência: a preguiça não tem vez (Pv 31.27);
· E a hospitalidade? (Hb 13.2);
· Percebe-se claramente a presença do Espírito de Jesus Cristo, marcada pelo fruto do Espírito (Gl 5.22,23).
Além dessa receita, há qualidades que precisam ser repassadas às gerações mais jovens:
· A honrar aos pais, o que leva com naturalidade à obediência (Ef 6.2,3);
· Obediência aos pais (Cl 3.20). Quem aprende a se submeter à autoridade dos pais, aprende a se submeter a qualquer autoridade. O melhor modo, porém, de ensinar a honra aos pais é viver de modo a merecê-la.
· A tomar decisões inteligentes, sábias, ou ter responsabilidade, a cumprir deveres, a ser pontual.
· O valor da fé em Deus, que na Bíblia é sempre obediência. Os exemplos clássicos estão em Hebreus 11.8, 18, 19, 24-27.
"... edificou ali um altar" (O ALTAR)
Com o altar, Isaque expressava o impulso que dera a Abraão a sua grandeza. Mas vejam bem: julgadas pelos padrões do mundo, as vidas de muitas personagens do passado, e mesmo do presente, podem parecer imensamente mais importantes, mais impressionantes que as de Abraão e de Isaque. Neste quadro do Antigo Testamento, porém, encontramos homens que fizeram da devoção, do culto, da adoração o interesse primário, basilar de suas vidas. Essa a razão de o altar ter sido levantado em primeiro lugar. Antes, mesmo, da tenda e do poço.
Como está o altar de sua casa? E sua aliança com o Deus das alianças? É o caso de restaurar o altar doméstico (1Rs 18.30; 2Cr 15.8; 33.16). E diante desse altar você se entrega como Samuel, "Fala, (Senhor) porque o teu servo ouve"" (1Sm 3.10); ou como Paulo, "Senhor, que queres que eu faça?" (At 22.10), e apresenta seu corpo como sacrifício de justiça, de louvor, de ação de graças; sacrifício suave, contínuo, espiritual; sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (cf. Sl 14.5; 107.22; 116; 17; Jr 6.20; Dn 8.11; 1Pe 2.5; Rm 12.1).
No altar, você ora pelo filho que está sendo gerado, para que Deus faça nele o que fez por Jeremias (Jr 1.5). Ore pelo recém-nascido; ore pelo seu filho ou filha na infância; pelo pré-adolescente; pelo seu adolescente e pelo jovem. Ore pelo seu filho ou filha casada, por sua vida profissional, conjugal, emocional e espiritual. Ore pelo filho do seu filho ou de sua filha em cada etapa da vida. E abra os olhos do seu próprio espírito para ver como o Espírito Santo tocou nas suas vidas.
Ore ao Deus que ama as famílias, porque Ele é o mesmo que salva as famílias. E há base bíblica para afirmá-lo: leia Gênesis 7.1; Atos 16.15, 31; 18.8. Mesmo uma criancinha pode crer, e tão pequena que Jesus pode levar no colo (Mc 10.14,16).
Pense na sua função como profeta e como sacerdote, como profetisa e sacerdotisa. Vamos explicar: como profeta/profetisa, você apresenta o Deus Vivo a seus filhos; você lhes fala de Deus. Mas é preciso que seu próprio relacionamento seja pessoal, íntimo e constante com Ele. Como sacerdote/sacerdotisa, você apresenta seus filhos ao Deus Eterno. É a oração de intercessão já mencionada; é a bênção diária, a bênção nas enfermidades. É o desejo que Jesus expressou em João 17.3, "A vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste".
O altar é uma expressão da bênção de Deus sobre o poço e a tenda, o trabalho e a vida familiar, e essa bênção se expressa em comunhão, conforto espiritual, salvação e crescimento na graça.
Nossa atividade de ganha-pão, a vida doméstica e a intimidade com Deus necessitam estar bem próximas, unidas, coesas. É o destaque dos valores do trabalho; o exercício da pedagogia de Deus, ou seja, o amor (cf. 1Jo 4.8): a criança obedece porque ama. Enquanto a pedagogia do Inimigo-de-nossas-almas é a do medo, ou seja, a criança obedece porque se sente ameaçada e está amedrontada (1Jo 4.18).
É a aliança com Deus, pois Ele faz aliança com o pai (Gn 17.1ss; Ml 4.6), com a mãe (Gn 16.10ss), com os filhos (Ex 20.12; Ml 4.6), mas lembremos que a Nova Aliança é feita de forma sempre individual, pessoal e única (Jr 31.33,34; Jo 3.16).
Walter Santos Baptista, Pastor da Igreja Batista Sião em Salvador, BA
E-Mail: wsbaptista@terra.com.br