O Homem criado por Deus

"... POUCO MENOR DO QUE DEUS"
Refletindo Sobre O Salmo 8
Pr. Walter Santos Baptista

Um dos mais conhecidos e apreciados hinos da palavra de Deus. Marcante nas suas expressões, responde a duas perguntas: "Quem é Deus?" e "que é o ser humano.

Começa e termina com a mesma expressão: "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra", que está no começo do primeiro versículo e em todo o verso final.

É significativo que assim aconteça para que não esqueçamos que este hino não está exaltando o ser humano, apesar de perguntar: "Que é o homem mortal para que te lembres dele?" Exalta, sim, o nosso Deus.

Como referido, o Salmo responde a duas perguntas: Quem é Deus e quem é o ser humano. Vejamos inicialmente a resposta a esta última pergunta.

"POUCO MENOR DO QUE DEUS"

Examinemos o verso 4:

"Que é o homem mortal para que te lembres dele;
o filho do homem para que o visites?

É uma pergunta cheia de assombro, até porque os versos anteriores falaram das maravilhas do universo, do céus, do espaço, das estrelas, dos planetas, da obra criadora de Deus.

Depois de olhar para o céu estrelado e se maravilhar com sua beleza, pergunta o salmista, "à luz de tudo o que foi dito acima, coitado do ser humano, quem é ele? Que é o ser humano?"

A verdade é que somos apenas uma poeira, menos que um grãozinho de poeira. No espaço todo, o planeta Terra é um grãozinho ao redor de uma estrela de quinta grandeza, e nós, seres humanos, apenas uma minúscula partícula de um grão de poeira. É de admirar, portanto, que apesar de tudo isso, Deus concedeu a cada um capacidades maravilhosas.

A pergunta como foi traduzida pode dar idéia "Que é o homem?" (mas a mulher, não). E não é essa a pergunta. O original em hebraico pergunta "Que é o ser humano? A propósito, tanto faz dizer "o homem" quanto "o filho do homem", expressões que querem significar a mesma realidade. Mas não fala do homem masculino. As palavras que aqui estão são 'enosh e 'adam (ben 'adam), de onde veio o nome Adão. Ambas querem dizer "ser humano" ou "humanidade". A palavra em hebraico é 'enosh, pessoa humana, ser humano. Assim, "Que é a pessoa humana para que Deus olhe para ela com tanto carinho?" Que é a pessoa humana para que Deus olhe com tanta atenção, dela se lembre e a visite?" A resposta é dada no próprio Salmo. Está no verso 5, onde é dito que o ser humano foi criado "pouco menor do que Deus". Essa última expressão significa que nossa criação trouxe-nos uma condição muito especial.

Algumas Bíblias trazem a tradução, "Pouco menor que os anjos o criaste". Afinal, o ser humano foi criado "pouco menor que os anjos" ou "pouco menor do que Deus"? A Bíblia hebraica menciona a palavra "Deus". Ali está 'Elohim, plural de majestade para Deus. Para se traduzir "anjos", deveria ser malachim, palavra parecida, mas não igual. 'Elohim é o plural de 'Eloah, idêntica a 'El, significando ambas "Deus"; malachim é a forma plural de malach, que significa "mensageiro, portador" e que se traduz como "anjo", transliterado do grego aggelos e quer dizer o mesmo: "mensageiro, estafeta", ou "portador".

Traduções que falam em "pouco menor que os anjos" refletem a primeira tradução da Bíblia hebraica para outra língua, neste caso, a grega. Isso ocorreu para que os judeus que habitavam no norte da África, e já não mais falavam hebraico e aramaico, pudessem ler o Tanach (o Antigo Testamento). Os tradutores acharam que era uma irreverência usar a expressão "pouco menor do que Deus", e utilizaram essa alternativa não encontrada no original.

Interessante que no Novo Testamento está dito que os anjos são servidores da pessoa humana, colocados à disposição dos salvos por Deus para que ministrassem. Está em 1.13, 14: "A qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha destra até que ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés? Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação?"

Há, mesmo, uma ordem: Deus ('Elohim), em seguida, O Ser Humano ('enosh e ben 'adam), e abaixo de nós, para servir a Deus e para nos servir Os Anjos, os malachim.

DEUS > O SER HUMANO > OS ANJOS

A pergunta fica então "Que é a pessoa humana para que lembres dela?" Nada é. Inspirado pelo Espírito, o salmista coloca algumas qualidades concedidas por Deus:

A pessoa humana foi criada um pouco abaixo dEle (v. 5a). Que extraordinária grandeza nesse grão de poeira que somos nós! Dizem os biólogos que somos formados de 70% de água. O restante é pele, fibras musculares, ossos, cabelos unhas. Se pudéssemos pegar alguém e colocar numa centrífuga, encheríamos um balde com a água extraída. Só água. Por isso, não podemos entender como pode haver tanta água orgulhosa, vaidosa, ciumenta, cheia de jactância.

Mas diz a Escritura que fomos criados um "pouco menor do que Deus" (v. 5). Se assim é, alguma coisa aconteceu que nos fez perder essa qualidade. Esse fato é denominado a Queda, e está relatado em Gênesis, capítulo 3.

É muita dignidade, mas há quem não pense nisso. Como há quem se degrade a ponto de não ter qualquer sentido na vida, ela perde o significado? Como alguém não pode se compreender imagem e semelhança de Deus e não se ver criada com amor e carinho, e como uma obra especial de Deus porque imagem e semelhança de Deus?
O Salmo 8 responde quem é o ser humano: aquele que foi criado imagem e semelhança de Deus.

Nossos primeiros pais foram criados com dignidade e receberam a incumbência de serem gerentes da Terra, pois Adão fora colocado para lavrar e guardar o jardim (Gn 2.15). Deveriam os pais primevos desenvolver a Terra, mas se rebelaram e perderam esse status. Com isso, fomos arrastados pela Queda. Aliás, o próprio texto do Salmo 8 diz: "Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo dos seus pés" (v. 6).

Deus colocou em nossas mãos a administração dos recursos do planeta. Significa que os rios, os lagos, os mares, as dunas, as florestas, tudo deve ser preservado para o benefício do ser humano. Estão prevendo que dentro de mais alguns anos não haverá alimentação para todos. Nossos trinetos e seus filhos vão ter dificuldades. O resto de Mata Atlântica no sul da Bahia está sendo devastado de modo terrível. Não estamos gerenciando bem, pois 32 hectares são diariamente derrubados na Floresta Amazônica!

O ser humano é o gerente de Deus na Terra. Cada um de nós é chamado a ser supervisor das coisas que Deus criou. O que se chama de ecologia é o equilíbrio das coisas. A palavra, que vem do grego, é sugestiva. A raiz é oikos, "casa", e de onde procede "economia". Ecologia é o estudo para a preservação da nossa casa, que não outra coisa senão o mundo onde vivemos. Quando não cuidamos da higiene, rebaixa-se a qualidade de vida pela perda da saúde. Recordemos, portanto, que esse "tomar conta" da casa, o gerenciamento dos interesses do planeta nos foi dado pelas mãos de Deus como dizem o Gênesis e o Salmo 8.

Tem mais: "de glória e de honra o coroaste". Na língua de Davi, "glória" é kavod. Na riquíssima língua hebraica, uma palavra significa um universo de coisas. Kavod significa também "peso". O apóstolo Paulo usa a expressão redundante "peso de glória" (2Co 4.17). Ele fez um jogo de palavras com o hebraico falou de "kavod de kavod" ("glória extraordinária"). E esse "peso de glória" foi colocado em nós.

Uma compreensão da sinonímia de "glória" e "peso" nos pode ser dada por uma fotografia que saiu na antiga revista O Cruzeiro. Nela era apresentada uma cena ocorrida no aniversário do rei Aga Khan, da Arábia Saudita. Era um homem enorme. Uma balança fora colocada num tablado. O rei sentou-se num dos pratos e no outro prato, seus súditos colocavam jóias, ouro, pedras, moedas até equivaler o seu peso. O peso do rei era traduzido em jóias e metais preciosos. Uma verdadeira glória essa fabulosa riqueza! Então o rei ordenava que o recolhido fosse destinado às obras sociais. Cada ano isso acontecia. Fica evidente o significado do hebraico.

A Glória de Deus é o peso que Ele tem na nossa vida. Como se perdeu o senso da majestade divina. Deus tem sido minimizado! Perdeu-se o senso de quem Deus é.

"Que é o ser humano?" É criado em glória e honra (v. 5b). Vezes inúmeras essa glória e honra têm sido jogadas no lixo. Não entendemos como uma pessoa pode se degradar a ponto de perder a identidade, quem ele é, e se drogar, beber, e se prejudicar.

E DEUS, QUEM É?

A outra pergunta é "Quem é Deus?" O salmista começa seu hino de louvor com uma expressão, e a repete no final:

"Ó Senhor, Senhor nosso,
quão admirável é o teu nome em toda a terra" (vv. 1a, 9)

Que sugestivo! Começou com Deus e terminou com Deus! E ele responde à pergunta sobre A Pessoa divina: Deus é Aquele que tem um Nome admirável. Os deuses do passado tinham nomes estranhos com significados mais estranhos, até. Um deus na Babilônia era Shamash, o Sol. Adoravam-no e diziam que era um deus. Uma deusa era Sin, a Lua. Ensinam, mesmo, que o monte Sinai tem este nome porque teria existido ali um antigo santuário a essa deusa. Os filisteus adoravam Dagon, o peixe.

Não sabemos pronunciar o Nome de Deus. Quando Moisés teve uma visão da kavod divina, a Glória de Deus no arbusto que pegava fogo e não se queimava, a "sarça ardente", o brilho de Deus, recebeu a missão de voltar ao Egito, e perguntou, "Quem está me mandando ao Egito?" O Senhor lhe disse: "Eu Sou".

Como é o Nome de Deus que é tão admirável? Diz a Escritura Sagrada que Ele Se apresentou a Moisés e disse que Seu Nome era Eu-Sou-O-Que-Sou. Parece um enigma, uma enorme interrogação: "Eu Sou O Que Sou".

Essa tradução aqui colocada, tem outras possibilidades. No original, aparece o verbo hayah na forma do incompleto. O passado é completo: "Ontem fui à feira" É um ato que já terminou, motivo porque está no completo. "Estou agora no santuário da igreja". Já chegou ao seu fim esse ato? Ainda não; é incompleto. "Amanhã será feriado". É tempo futuro; já chegou? Não; então é incompleto. "Saia daqui!" É uma ordem. Já aconteceu? Não; é incompleto. Isso quer dizer que podemos traduzir o Eu Sou o Que Sou de outras maneiras: "Eu Serei o Que Sou", "Eu Sou o Que Tenho Sido", "Eu Continuo a Ser o Que Sempre Fui". O Nome de Deus tem muitas possibilidades de tradução. Versões mais contemporâneas da Bíblia colocam apenas "Eu Sou o Eterno", que diz tudo.

Podemos chamar a Deus por diversos outros Nomes. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento utilizam várias designações para falar de Deus. Quando se diz El Elyon, estamos falando do Deus Altíssimo.

Ele é chamado na Bíblia de El Shadday, o Deus Todo-poderoso, também de Javé-jirê, o que Deus que provê as coisas, o Deus que providenciará as coisas, o Deus que tudo vê, El Roeh, Aquele que tudo prevê. Pode ser chamado o Deus da paz, Adonai Shalom.

Poderíamos seguir com outras designações do nosso Deus. Mas uma coisas sabemos: Ele é o que tem o Nome Admirável em toda a terra! Primeira grande lição acerca de Deus é que Ele é o que tem o Nome admirável.

Segunda lição: Ele é o que tem glória, pois ""Puseste a tua glória sobre os céus" (v. 1b). Percebam: Deus é superior ao espaço criado, pois não Se identifica com ele. Há quem pregue que Deus é a substância de todas as coisas. Isso se chama panteísmo. Vê uma linda flor, e diz "A substância dessa flor é Deus"; "a substância do mar é Deus", a substância da nuvem é Deus". Os hindus batem numa árvore e perguntam, "Deus, estás aí?" A Bíblia diz que Deus é superior a tudo o que Ele criou, não é a substância das coisas. Mas tudo é Sua obra:

"Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos,
A lua e as estrelas que preparaste..."

O Sol, a Lua, os planetas, estrelas, cometas, o que eram os deuses dos outros. O nome da deusa-estrela era Ishtar, de onde vem o nome Ester, e da mesma raiz o latim stella e daí "estrela".

Enquanto os povos pensavam que as obras criadas eram deuses, o hebreu declarava a sua fé, esperança e completa dedicação e piedade ao Deus Criador. "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra..." Só temos que render graças, glória, nossa admiração, reverência e louvor ao Deus que nos criou e sustenta.

Deus é Aquele que é sempre vencedor. Como bem expressa o verso 2:

"Da boca das crianças e dos que mamam tu suscitaste força, por causa dos teus adversários, para fazeres calar o inimigo e vingativo".

Deus é o que sempre vence. Ele é o Deus do paradoxo! Vence com crianças que ainda estão sendo amamentadas! Venceu os egípcios, não porque arregimentou um tremendo exército: apenas o mar se abriu, os hebreus passaram, os egípcios entraram no mar, e o mar se fechou. Nosso Deus é o Deus dos paradoxos.

Quem é Deus? Deus é o Criador, Aquele de Cujas mãos tudo saiu.

"Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos,
a lua e as estrelas que preparaste,"

Gênesis 1 é de uma incrível felicidade. Temos uma descrição da obra criadora. A luz, separação entre luz e trevas, o Sol, os mares, a terra, os peixes, os grandes répteis, as aves, mamíferos, animais selvagens e animais do campo, o ser humano. Porém, enquanto alguns olham apenas a obra criadora, que é em si maravilhosa, outros a olham e fazem uma leitura um pouquinho diferente: vêem uma verdadeira batalha dos deuses.

E esta batalha significa que os povos no entorno de Israel (os arameus no Norte, os fenícios no noroeste, os filisteus no sudoeste, os edomitas, os babilônios) tinham os seus deuses e todos estão representados em Gênesis 1, mas apenas como produtos e subprodutos das mãos do Deus Que Tudo Cria. Era o caso dos babilônios e dos egípcios que adoravam o Sol. Na Babilônia era chamavam-no Shamash; no Egito, Rá. Era Sin, a Lua, entre os babilônios, os assírios.

Animais também eram cultuados. No Egito, praticamente o panteão, o elenco dos deuses, era formado por animais: entre outros, o crocodilo, o touro, o gato, o íbis, o chacal, o falcão. Alguns deuses deuses eram representados como tendo o corpo de homem e a cabeça de animal. O deus da morte era Anúbis, o chacal com corpo de homem. No Museu Nacional do Rio de Janeiro, há múmias de filhotes de crocodilo; no Museu do Cairo, vimos múmias de gatos, também considerados sagrados.

O Mar Mediterrâneo, chamado de Grande Mar (Yam haGadol) era cultuado; os peixes eram cultuados, como no caso dos já mencionados filisteus.

As florestas eram deuses para os cananeus. Essa religião da natureza está representada entre nós pelo candomblé. É o culto de Baal no nosso meio. Salvador tem um grande e lindo parque público (o de São Bartolomeu) dedicado aos orixás.

Mas nosso Deus é o Criador. Não faz por menos: enquanto adoravam a obra criada ("Ó, Sol! Ó, Sol! Recebe meus louvores!), o hebreu dizia "Você está adorando a criatura do meu Deus El Shaddai, o Criador dos céus e da terra (Baruch Atah Adonai Melech haOlam...")". Por isso o Salmo começa dizendo, "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra...", e termina do mesmo modo. É um salmo de louvor. A piedade deve estar sempre presente na expressão de louvor.

Walter Santos Baptista, Pastor da Igreja Batista Sião em Salvador, BA
E-Mail: wsbaptista@terra.com.br

http://www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/at028.htm