Vaidades e Canseiras

PROJETO DE VIDA
Eclesiastes 1.1; 2.1,11
Walter Santos Baptista

O livro de Eclesiastes tem se constituído num verdadeiro enigma para muito. Há quem não o leia porque não entende; e há quem o leia sem tirar muito proveito, a não ser de um outro versículo escolhido.
Na realidade, este livro se apresenta como um enigma. Enigma como o da esfinge à espera de ser decifrado: cabeça de ser humano, corpo de leão, asas de águia e patas de touro. Mas não é touro, nem águia, nem leão, nem gente. É nesse enigma que o autor vai desenvolvendo o seu raciocínio, mostrando que, no fundamento das coisas temporais, tudo é futilidade, tremenda e imensa futilidade...

"VAIDADE DE VAIDADES" (1.2)

Talvez a mais conhecida expressão do livro seja mesmo "vaidade de vaidades" "Hevel hahavelim" é um superlativo da língua hebraica que coloca a palavra hevel na sua forma mais elevada. Hevel significa muita coisa (como é típico da língua hebraica): "vapor, sopro", e por causa da fugacidade do vapor que logo desaparece, também tem a acepção de "futilidade, ineficácia, inutilidade, inconstância, ilusão, vacuidade, e vaidade", ou seja, "coisa vã, vazia".
É precisamente isso o que o autor de Eclesiastes enfatiza: a futilidade, a ilusão e ineficácia dos projetos humanos. Usa, até, expressões como "trabalhar para o vento"1, "aflição de espírito"2; "enfadonha ocupação".3
O livro, escrito na primeira pessoa, é um testemunho da experiência pessoal da vida do autor (chamado o Pregador, o Eclesiaste, e Koheleth, palavra que significa "aquele-que-fala-na assembléia").
É possível, então, fazer uma releitura do texto. 1.2 diz:

"Futilidade das maiores,
diz o Pregador,
inutilidade das coisas vazias,
tudo é ilusão!
Tudo é transitório!"

E não é mesmo? Heráclito, filósofo grego do século 50 a. C. explicou que ""Ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio", por causa do constante fluxo das águas, e Isaías 40.6,7 também o clara com toda clareza:

"Diz uma voz: Clama.
E eu disse: Que hei de clamar?
Todos os homens são como a erva,
E toda a sua beleza como as flores do campo.
Seca-se a erva, e caem as flores,
Soprando nelas o hálito do Senhor.
Na verdade o povo é erva".

A época em que este livro foi escrito não era problemática em termos políticos e econômicos. No entanto, o Eclesiaste (ou Pregador) sendo homem de reflexão, de profundidade, percebeu a tremenda dificuldade em termos espirituais e emocionais. A religião era só ritual, prazer da hora, êxito comercial. E ele o diz:

"Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus. Inclina-te mais a ouvir do que a oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que procedem mal.
Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus. Deus está nos céus, e tu estás na terra, pelo que sejam poucas as tuas palavras.
Porque da muita ocupação vêm os sonhos, e a voz do tolo da multidão das palavras.
Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo. Ele não se agrada de tolos; o que votares, paga-o.
Melhor é que não votes do que votes e não pagues.
Não consintas que a tua boca faça pecas a tua carne, nem digas diante do anjo que foi erro Por que razão se iraria Deus contra a tua voz e destruiria a obra das tuas mãos?
Na multidão dos sonhos há vaidade, assim também nas muitas palavras. Portanto, tu teme a Deus".

E deste modo ele desafia a corrupção, a leviandade, o mundanismo e os valores apodrecidos do seu tempo. Uma leitura dos capítulos 4, 9 e 10 ajudará a entender esse fato. Só como exemplo:

" "O que ama o dinheiro nunca se fartará dele; quem ama a abaundância nunca se farta da renda. Isto também é vaidade",4

e,
"Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade",5

Bem como,

"Ai de ti, ó terra, cujo rei é criança, e cujos príncipes banqueteiam de manhã".6

E qual a nossa situação como indivíduos? Como famílias? Como igreja? Há quem passe o dia, a semana, o tempo numa tremenda futilidade; sem projeto de vida, de modo vazio, oco, medíocre. Projeto de crescimento, nem pensar...

"TODAS AS COISAS SÃO CANSEIRAS" (1.8)

Esta expressão do verso 8 é digna de reflexão mais detida. O fato é que temos um vocábulo no hebraico que é davar. Ele pode ser traduzido indiferentemente por "coisa, palavra, fato, evento, acontecimento. E isso oferece outras possibilidades de tradução:

* "Todas as coisas estão cheias de cansaço, ninguém o pode exprimir,"7
*
"Toda palavra é enfadonha, e ninguém é capaz de explicá-la"8
* "Todas as coisas nos cansam tanto, que não há palavras que cheguem para explicar"9
* "Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las"10
* "Todas as coisas são canseiras, mais do que ninguém o pode declarar"11

É a mais pura das verdades! Estamos cansados dos acontecimentos que nos chegam de outros países; fatigados das coisas que nos ocorrem na ruas da cidade, no comércio, no banco, na escola. Estamos enfadados das palavras mentirosas, dos discursos demagógicos, dos sermões sem unção, vazios; estamos cansados das promessas de lealdade, das tapinhas nos ombros, das juras de fidelidade e amor que recendem a engano. É verdade..., "todas as coisas (ou "todos os acontecimentos, todas as palavras, todos os discursos, todos os fatos") nos cansam tanto, que não encontramos maneira de explicá-los".
O autor passa a enumerar seus projetos em busca de sentido para a vida. Começa pela formação acadêmica:

"Apliquei o meu coração a esquadrinha, e a informar-me com sabedoria de tudo o que acontece debaixo do céu. Que enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os afligir!" (1.13)

Diz ele que depois de muito se aplicar à filosofia, à aventura do saber, descobriu sua futilidade,12pois, por mais que se dedicasse à aquisição de conhecimentos (científicos, literários, filosóficos), isso nada lhe adiantou na busca de satisfação espiritual ou moral. Com toda certeza,, um anel de universidade não satisfaz essa busca.
Fala, em seguida, da "boa vida" ( prazer, hedonismo). Vivemos numa sociedade tremendamente erotizada. Pobres criancinhas nossas orientadas, educadas que são pelas novelas das 6, 7, e das 8, e pelas "Angélicas" e outras animadoras da TV... Infelizmente, em algumas igrejas ditas evangélicas, Jesus Cristo saiu e Eros13 entrou, visto que o espírito erotizante está em tudo. Perdeu-se o senso da Grandeza, da Majestade, da Justiça de Deus e do Senhorio de Jesus Cristo, e tem-se dado lugar às águas impuras, e os pastores deixam de ser profetas para serem animadores de auditório, porque o que importa é encher os bancos, mesmo que custe a decadência da qualidade de doutrina, de ordem no culto e de respeito ao "em espírito e em verdade" que deve qualificar as reuniões cristãs evangélicas.
A verdade é que a qualidade do cristianismo evangélico vem piorando, decaindo dia a dia, mês a mês, ano após ano. Que projeto de vida você quer para a sua igreja?
O Pregador disse que o Prazer, a "boa vida" é fútil.14 Por quê? A razão é simples: é propaganda enganosa. O prazer promete mais do que realmente dá; porque a sua busca, a sua aventura termina em desengano e frustração.
O Eclesiaste fala de trabalho, de realizações. De fato, o trabalho esteve a serviço do prazer.15 Observe-se que ele procurou seu Jardim do Éden particular.16 Faz mal ter uma casa de campo? Uma casa de praia? Um sítio? Sem dúvida, é algo desejável. Mas não a ponto de tirar o irmão e seus filhos do convívio da igreja. Projete seu filho, sua filha daqui a dez anos. Qual a possibilidade de seu filho (que você não tem trazido à Casa do Senhor hoje), estar daqui a dez ou doze anos nos arraiais do Senhor?

UM PROJETO DE VIDA

O livro de Eclesiastes é progressivo no seu curso, no seu projeto de vida. A verdade é que todos os projetos humanos são futilidade, menos o projeto de Deus para você. Responda com sinceridade:
* Que projeto de vida tem você?
* Que projeto de vida tem você para você e sua esposa como casal cristão?
* Que projeto de vida têm vocês para a família como um todo?
* E no trabalho?
* E na igreja?
* E para a eternidade?

Afinal, a sabedoria é fútil! O prazer não tem sentido! O esforço é igualmente vazio!
"Lembra-te do Criador enquanto és jovem..."17 Isso vale para todos. Já imaginou viver sem Deus? Isso tem nome. Chama-se secularismo.
Mas, sem Deus o que é que resta?
* Resta a Morte (2.16)
* Resta o Mal em todas as suas formas: injustiça, opressão do menos valido, inveja, avidez de lucro, exploração do outro, pecado, sede pelo mal.18
* Restam os limites tanto do tempo quanto da oportunidade (9.11,12) porque não somos donos do nosso destino.

Qual o seu projeto de vida? A geração evangélica de vinte anos para cá tem sido vitimada por baixos padrões morais e espirituais, por doutrinas antibíblicas, por práticas anti-evangélicas, por ensino fraco. Como resultado, temos crentes sem convicção doutrinária correndo de igreja em igreja num turismo eclesiástico desenfreado, indo a grupos que não são outra coisa senão sincretismo entre evangelho e rock pesado ou pior: práticas mistas do evangelho e do candomblé.

PARA CONCLUIR

"Lembra-te do teu Criador..." é um grande, excelente, nobre, salvador projeto de vida. Na realidade, você pode mudar a orientação de sua história pessoal, porque a sabedoria reside em levar em conta o que está em 12.13: temer a Deus e guardar os seus mandamentos. O criminoso na cruz mudou toda a sua história pessoal, e nos últimos momentos seu projeto de vida: "Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino". A sabedoria você a encontrará em Jesus Cristo, pois 1Coríntios 1.30 ensina que "vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção..." Isso é felicidade; não as honrarias, a riqueza, a vida longa, e a aparente paz. Na verdade, a felicidade real e possível está em nos unirmos na comunhão de Jesus Cristo e em serví-Lo.
"Temer a Deus" (que não é medo, terror, pavor). "Temer a Deus", que é respeito, reverência, adoração, comprometimento, nos coloca no Seu plano..

1 Cf. 5.16.
2 Cf. 2.11.
3 Cf. 1.13.
4 Ec 5.10.
5 Ec 7.15.
6 Ec 10.16.
7 VersãoRevisada da IBB.
8 Bíblia de Jerusalém.
9 Bíblia Sagrada: Tradução Interconfessional.
10 Bíblia Tradução Ecumênica.
11 Almeida Edição Contemporânea.
12 Cf. vv. 17,18.
13 Esta referência não diz respeito a um conceito psicanalítico ou freudiano do Eros, mas ao senso comum.
14 Cf. 2.1b,2.
15 Cf. 2.10.
16 Cf. vv. 4-8.
17 Cf. 11.7-12.8.
18 Cf. 3.16; 4.1; 4.4; 4.8; 5.8; 7.20; 9.3.

Walter Santos Baptista, Pastor da Igreja Batista Sião em Salvador, BA
E-Mail: wsbaptista@terra.com.br