Rev. Josivaldo de França Pereira
Durante anos e anos o livro dos Salmos tem enriquecido a vida espiritual do povo de Deus. A razão disso está no fato de nos identificarmos com as lutas e as vitórias dos salmistas. Muitas das experiências dos salmistas são, de certa forma, as nossas experiências também. Porém, o que mais tem fascinado os crentes através dos tempos é a vida espiritual de comunhão com Deus que os salmistas levavam. Um bom exemplo dessa espiritualidade é a oração de Davi no Salmo 31, em especial a primeira parte do verso 15 que diz: "Nas tuas mãos estão os meus dias". Permita-me compartilhar com você esta preciosidade dos Salmos.
Num mundo em que as pessoas estão cada vez mais interessadas em si mesmas, auto-confiantes, porém (paradoxalmente) confusas e inseguras acerca do dia de amanhã, em que circunstância poderíamos nos aproximar de Deus e dizer-Lhe com a mesma convicção de Davi, "Nas tuas mãos estão os meus dias"? Consideremos três aspectos.
1) Em primeiro lugar, podemos dizer "nas tuas mãos estão os meus dias" quando dependemos inteiramente de Deus.
Somente alguém que se entrega totalmente aos cuidados de Deus é capaz de declarar ao Senhor: "Nas tuas mãos estão os meus dias". Somente quem vive em função do próprio Deus pode dizer e cantar:
De ti, Senhor, careço!
Do teu amparo, sempre!
Oh, dá-me tua bênção!
Aspiro a ti.
(Dependência - NC 120)
Uma das maiores expressões de dependência de Deus é a oração. Ao orarmos reconhecemos diante de Deus que somos fracos, pequenos e necessitados de Sua graça e compaixão imensuráveis. O Salmo 31 é uma oração de Davi do começo ao fim, onde o versículo 15 é ponto alto de sua súplica. É como se Davi dissesse a Deus: "Nas tuas mãos estão os meus dias porque sem a tua ajuda, sem a tua proteção e sem a tua providência constante em minha vida eu não tenho condições de dar um passo sequer". Este anseio de Davi em estar ligado a Deus também é marcante nos Salmos 42 e 63. Contudo, uma das melhores ilustrações da oração de Davi no Salmo 31.15 está no pedido de Pedro em João 6. Depois que o Senhor Jesus acabou de proferir o sermão do pão da vida, muitos que O seguiam se escandalizaram e O abandonaram. Em seguida Jesus se voltou para os doze e lhes perguntou se também queriam deixá-lO. "Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus" (Jo 6.68). Observe a expressão: "Senhor, para quem iremos?". O que Pedro quis dizer foi exatamente isto: "Não há outra pessoa a quem podemos ir; não há outra pessoa que satisfaça o anelo do coração" (G. Hendriksen).
Assim oraram Davi e Pedro; assim deve orar todo aquele que crê que "a nossa suficiência vem de Deus" (2 Co 3.5).
2) Em segundo lugar, podemos dizer como o salmista "nas tuas mãos estão os meus dias" quando confiamos verdadeiramente em Deus.
Quem depende inteiramente de Deus com certeza confia nEle. Davi confiava no Senhor de maneira absoluta e incondicional. Observe que o versículo 15 do Salmo 31 é o reflexo da confiança impressa no versículo 14. Enquanto os inimigos de Davi confiavam nos ídolos e a eles dedicavam suas vidas, o salmista buscava ao Senhor dizendo: "Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: Tu és o meu Deus. Nas tuas mãos estão os meus dias...". Havia, ainda, um problema específico mas o salmista o entregou a Deus: "... livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores" (v15b). Davi faz um jogo de palavras com o termo "mãos" do verso 15, como se quisesse dizer: "Livra a minha vida das mãos dos meus inimigos porque a minha vida está nas tuas mãos". Todavia, fosse qual fosse o problema, era costume de Davi confiar totalmente em Deus para solucioná-lo.
Será que temos confiado em Deus com a mesma intensidade do salmista? Temos confiado em Deus a ponto de O deixarmos resolver os nossos problemas? Muitas vezes permitimos que os nossos problemas pareçam maiores que o nosso Deus. Não acreditamos que Ele possa resolvê-los de fato, ou então esperamos que Ele os resolva ao nosso modo. Não ousamos dizer-Lhe que faça a nossa vontade, mas Deus, que é poderoso e tremendo, sonda o nosso coração e se entristece ao ver que não confiamos nEle de verdade.
"Ajuda-me, Senhor, a confiar em ti de tal maneira que eu não carregue comigo aqueles problemas que já entreguei ao teu cuidado" (W. Kaschel).
3) Finalmente, mas não menos importante, podemos fazer das palavras de Davi, "nas tuas mãos estão os meus dias", nossas palavras, quando reconhecemos a direção de Deus em nossa vida.
É interessante notar que Davi faz mais do que crer na existência de Deus. Ele nem ao menos pede a Deus: "Daqui pra frente dirige a minha vida". Ao contrário, o que ele faz no verso 15 é "relembrar" ao Senhor que a sua vida está nas mãos de Deus porque o Senhor já é o seu Deus! (cf. v14). Por isso Davi não precisaria temer os seus inimigos e perseguidores ou qualquer outra situação de perigo (veja Salmos 27.3; 46.1-3). A direção de Deus na vida de Davi fazia diferença.
Semelhantemente, quando Deus dirige nosso destino não somos sufocados pelo desespero e ansiedade (cf. Mt 6.25-34; Fp 4.6; Hb 13.5,6; I Pe 5.7). Quando Deus dirige a nossa vida somos profundamente gratos a Ele por tudo (I Ts 5.18) e nos comportamos com maturidade em relação ao próximo. Alguns exemplos desse último: Por estar ciente da direção de Deus em sua vida foi que Davi poupou a vida de Saul (I Sm 24). E José do Egito? Sabendo que Deus dirigia o rumo de sua existência, José deixou para Deus as ofensas de seus irmãos ao invés de fazer justiça com as próprias mãos. José perdoou seus irmãos porque viu o propósito de Deus em meio à maldade deles. Davi fez o mesmo com Saul. Nós também podemos fazer o mesmo com o nosso semelhante se de fato reconhecemos a direção de Deus em nossa vida.
Um dos piores males existentes no meio do povo de Deus hoje em dia é a falta do perdão. Esta falta de perdão, por sua vez, é motivada pela falta de compreensão da direção de Deus. Quando entendermos que é Deus quem dirige as grandes e as pequenas coisas do nosso viver e não o acaso, a fatalidade, a sorte ou o azar, e que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28), então nunca mais teremos problemas em nosso relacionamento interpessoal porque não teremos mais dificuldade em perdoar quem quer que seja. As pessoas com maior dificuldade em perdoar são aquelas que não conseguem ver Deus na direção de suas vidas.
Depender de Deus em tudo, confiar totalmente nEle e ser dirigidos pelas Suas mãos deveriam ser os nossos maiores ideais todos os dias da nossa vida. Porque na vida o que realmente deve importar ao servo e à serva de Deus não é se os sonhos serão ou não realizados, se haverá ou não muito dinheiro no bolso e saúde para dar e vender durante o ano, mas sim, poder entrar, passar e sair de mais um ano com a mesma certeza de Davi: "Nas tuas mãos, Senhor, estão os meus dias"! Que Deus o (a) abençoe.
Rev. Josivaldo de França Pereira - Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil (I.P.B.) em Santo André - SP. Bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição (J.M.C. - SP), Licenciado em filosofia pela F.A.I. (Faculdades Associadas Ipiranga - SP) e mestrando em missiologia pelo Seminário Teológico Sul Americano (S.T.S.A.) em Londrina - PR.