Numa obra de ficção intitulada /1984¸/George Orwell mostra uma sociedade
rigidamente controlada por um ditador. Até os pensamentos das pessoas
são lidos por máquinas. Assim, para escapar, elas desenvolvem o
“duplipensar”, um jeito de pensar algo quando se está pensando, na
realidade, de outra maneira. Uma maneira falsa de pensar. Um pensar duplo.
Muita gente pratica o “duplifalar”. Fala de uma maneira, mas na
realidade suas palavras não significam o que estão dizendo. Querem dizer
outra coisa. Vemos em nossas igrejas pessoas que dizem com seus lábios
seguir a Cristo, mas que têm uma conduta que nega suas palavras. O que
elas falam não significa nada. Algumas sorriem e falam simpaticamente
com um irmão na fé, mas por trás o atacam com maldade. Neste caso, tais
pessoas têm uma palavra dupla. Isto é estranho, pois o testemunho de
Pedro sobre Jesus é que “Ele não cometeu pecado, nem na sua boca se
achou engano” (1Pe 2.22). Jesus nunca mentiu, nunca contou uma inverdade
nem deu sentido duplo às suas palavras. Ele sempre foi transparente. O
que ele dizia ele fazia. O que pedia dos outros ele praticava: “Porque
eu vos dei exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo
13.15).
Por isto Jesus pôde pedir aos discípulos “/Seja, porém, o vosso falar:
Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno”./ Esta palavra
de Jesus aborda claramente o conteúdo de nossas palavras. Mas vai além
disto. Não fica na esfera das palavras. Mais que isto, é questão de
caráter. Ele deseja transparência na conduta dos seus seguidores. O
fingimento o desagradava muito. Seu sermão mais duro foi pronunciado
contra os líderes religiosos do seu tempo, que não eram coerentes.
Falavam uma coisa e viviam outra. É o discurso contra os escribas e
fariseus, em Mateus 23. Você já leu este texto? Vale a pena ler. Se já o
fez, releia-o, em conexão com este artigo. Veja como Jesus se desagrada
da incoerência das pessoas que dizem uma coisa e vivem outra. Que têm um
sim que pode ser um mais ou menos ou um não.
Que fique claro: a questão não é só de palavras. É de coerência. A
queixa que Jesus tinha dos escribas e fariseus não era só das palavras.
Era de atitudes que não podiam estar presentes na vida de pessoas que
diziam amar, temer e servir a Deus. A vida religiosa não pode ser
fachada. A fé envolve toda a vida da pessoa e marca suas atitudes.
Quando uma pessoa diz ter fé em Cristo e não vive de acordo com esta fé,
não apenas está “duplifalando” ou “duplivivendo” (vivendo de uma maneira
na igreja e de outra no mundo). Além de hipócrita ela está
escandalizando o evangelho. Não está mostrando o caráter cristão com
suas atitudes. Está desonrando o nome de Jesus.
Imagine um comerciante crente que fale de sua fé a todo mundo, que seja
conhecido de sua freguesia como um freqüentador assíduo da igreja, mas
que seja uma pessoa que roube no peso ou na quantidade de produtos que
vende. Ele está “dupliagindo”, isto é, agindo de uma maneira dupla. Age
de uma maneira na igreja e de outra no seu trabalho. O que dizer de uma
pessoa que diga a todo mundo que segue a Jesus (ou se não diz, por
vergonha, todo mundo sabe assim mesmo), mas é corrupta, é má colega de
trabalho, tem um comportamento inadequado a um filho da luz? Não está
sendo transparente. Seu sim e seu não são a mesma coisa. Não é isto que
Jesus espera de quem o segue.
Muitas pessoas hoje pensam que a vida cristã é algo que nós vivemos
dentro da igreja, e que fora dela podemos viver como queremos. “Ninguém
tem nada com a minha vida!”, diz alguém. “Não aceito patrulhamento!”,
diz outro. Um seguidor de Jesus não pode pensar assim. Primeiro porque
sua vida não é dele. Ele a deu a Jesus. Depois, é bom lembrar, ele vive
como membro da igreja, deve satisfações à igreja que é a comunidade da
fé, e está sob orientação e disciplina da igreja. Tem deveres para com o
evangelho. Geralmente pensamos em nossos direitos. Mas quem segue a
Jesus assumiu deveres. Assumiu os deveres de uma conduta correta diante
de Deus (“Quando Abrão tinha noventa e nove anos, apareceu-lhe o Senhor
e lhe disse: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda em minha presença, e sê
perfeito” – Gn 17.1). O evangelho não são apenas promessas. É um chamado
a assumir deveres de uma vida íntegra e honesta, dentro dos padrões da
Palavra de Deus. Quem segue a Jesus deve andar corretamente neste mundo.
Não apenas na igreja.
Às vezes um jovem diz que segue a Jesus. Gosta muito do louvor e ao
cantar faz declarações de fé. Bate palmas, faz gestos, se alegra. Mas na
escola, cola na prova. Nos trabalhos em grupo, não participa, e pede que
coloquem seu nome. O seu sim não foi sim. Sua vida não foi transparente
e ela mostra que não entendeu que o verdadeiro louvor não é o praticado
na igreja, na hora do culto, e sim o louvor vivido com o bom testemunho.
Deus se agrada mais do nosso caráter do que nossos cânticos. Ele espera
que o obedeçamos mais do que cantemos para ele; Leia a história da
desobediência de Saul, em 1Samuel 15. Agora, preste atenção nesta
palavra de Samuel: “Samuel, porém, disse: Tem, porventura, o Senhor
tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à voz
do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender,
do que a gordura de carneiros” (v. 22). Entendeu? Deus prefere
obediência ao culto. No tempo de Samuel, o sacrifício era a mais elevada
forma de culto que havia. Mas Deus queria obediência. Da mesma forma, a
obediência aos ensinos de Jesus é que mostra nossa transparência, a
coerência entre o que cremos e o que fazemos, que o nosso sim é sim e o
nosso não é não.
Em Amós, Deus diz que não quer o culto do povo: “Aborreço, desprezo as
vossas festas, e não me deleito nas vossas assembléias solenes. Ainda
que me ofereçais holocaustos, juntamente com as vossas ofertas de
cereais, não me agradarei deles; nem atentarei para as ofertas pacíficas
de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos,
porque não ouvirei as melodias das tuas liras” (Am 5.21-23). Sabe por
quê? Porque o povo não vivia o que dizia no culto.
Como seguidores de Jesus precisamos de coerência. Nossa vida deve
mostrar o evangelho. Quando não vivemos o evangelho e não somos
transparentes, quando temos duplipensar, duplifalar, dupliviver,
desonramos o nome de Jesus.
Ter um sim que seja sim e que um não que seja não é ser uma pessoa dura,
que gosta de dizer desaforos e ser rude no trato com as outras. É ser
uma pessoa de palavra, de caráter, uma pessoa íntegra.
Pedro disse que Jesus nunca cometeu engano. Ele sempre foi coerente. E
Pedro ainda diz: “Porque para isso fostes chamados, porquanto também
Cristo padeceu por vós, deixando-vos exemplo, para que sigais as suas
pisadas” (1Pe 2.21). O homem que disse que nosso sim deve ser sim e
nosso não deve ser não, nos deu o exemplo. Devemos seguir suas pisadas.
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<http://www.isaltinogomes.com/2009/11/o-seguidor-de-jesus-uma-pessoa-t...>
/“Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno” (Mt 5.37)/
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Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Publicado originalmente na revista “Você”