Li Orhan Pamuk, Nobel de Literatura em 2006. Ele me fez pensar nas abrangentes implicações da secularização, na força da religião, e especialmente no significado de um Estado laico. Considerando correto que religioso e secular são os dois extremos da civilização, Deus não tem vez nem voz no mundo secularizado, o que explica ou justifica (ou explica mas não justifica) o Estado laico.
Houve um tempo quando a religião dava as cartas do processo civilizatório, tanto no ocidente cristão quanto no oriente islâmico. O advento da secularização destronou a religião e assumiu o controle da vida em sociedade. Desde então a religião passou a ser encarada como questão de foro íntimo, não poucas vezes associada à ignorância, alienação, superstição, infantilidade e primitivismo.
O Estado laico implica a postura ateísta, isto é, Deus não pode ser invocado como argumento em questões de ciência e legislação. A partir desta premissa, a coisa pública–res-pública–república, busca sua sustentação em fundamentos não religiosos.
A princípio, parece lógico e justo. Caso o aspecto religioso fosse levado em consideração para a norma científica e a legislação da sociedade, assistiríamos o digladiar das diversas tradições religiosas pela primazia do arbítrio da vida coletiva, isto é, cada tradição religiosa tentaria anular as outras e impor sua perspectiva como única verdade – o que, aliás, se tem visto hoje em dia. O conflito entre as potências ocidentais e orientais no mundo moderno (ou pós-moderno) é menos econômico e geopolítico do que religioso e de civilizações. Nesse sentido, os que defendem o estado laico, onde a religião ocupa espaço pessoal e privativo e não pode ser invocada para a coisa pública parecem ter mesmo razão.
Mas há o outro lado da moeda. Alijar a religião do processo social implica calar a voz de significativo número de cidadãos, e, nesse caso, o laicismo do Estado passa a conspirar contra um dos alicerces da opção republicana, a saber, a liberdade das consciências individuais. Também ocorre que o Estado perde riquezas próprias das diferentes dimensões da sabedoria e da verdade, notadamente as dimensões inerentes aos saberes não racionais (diferente de “irracionais”). O equilíbrio do Estado não está na inexistência de conflitos, mas na igualdade de direitos das forças que o constituem. Isso explica porque as repúblicas seculares são tão radicais quanto os estados baseados no fundamentalismo religioso: todo aquele que insiste em calar vozes perde o direito de falar, e quem perde o direito a alguma coisa e ainda continua a exercê-lo, o faz pela força, de modo que sua autoridade se torna ilegítima e deve ser resistida.
Tanto a secularização quanto o fundamentalismo religioso conspiram contra a liberdade. Este é um tempo, portanto, de uma melhor definição de Estado laico. Não mais aquele onde a religião está ausente, mas aquele onde todas as religiões têm iguais e garantidos direitos, e aceitam participar do jogo democrático, respeitadas as regras do jogo, e mediante o acordo tácito de uma vez no poder, preservar os direitos dos discordantes. Isso sim é utopia. Isso sim é ser republicano. Ou democrata. Como queira. Isso sim é ser religioso (no sentido subjetivo). Ou secular (no sentido objetivo). Como queira.
Houve um tempo quando a religião dava as cartas do processo civilizatório, tanto no ocidente cristão quanto no oriente islâmico. O advento da secularização destronou a religião e assumiu o controle da vida em sociedade. Desde então a religião passou a ser encarada como questão de foro íntimo, não poucas vezes associada à ignorância, alienação, superstição, infantilidade e primitivismo.
O Estado laico implica a postura ateísta, isto é, Deus não pode ser invocado como argumento em questões de ciência e legislação. A partir desta premissa, a coisa pública–res-pública–república, busca sua sustentação em fundamentos não religiosos.
A princípio, parece lógico e justo. Caso o aspecto religioso fosse levado em consideração para a norma científica e a legislação da sociedade, assistiríamos o digladiar das diversas tradições religiosas pela primazia do arbítrio da vida coletiva, isto é, cada tradição religiosa tentaria anular as outras e impor sua perspectiva como única verdade – o que, aliás, se tem visto hoje em dia. O conflito entre as potências ocidentais e orientais no mundo moderno (ou pós-moderno) é menos econômico e geopolítico do que religioso e de civilizações. Nesse sentido, os que defendem o estado laico, onde a religião ocupa espaço pessoal e privativo e não pode ser invocada para a coisa pública parecem ter mesmo razão.
Mas há o outro lado da moeda. Alijar a religião do processo social implica calar a voz de significativo número de cidadãos, e, nesse caso, o laicismo do Estado passa a conspirar contra um dos alicerces da opção republicana, a saber, a liberdade das consciências individuais. Também ocorre que o Estado perde riquezas próprias das diferentes dimensões da sabedoria e da verdade, notadamente as dimensões inerentes aos saberes não racionais (diferente de “irracionais”). O equilíbrio do Estado não está na inexistência de conflitos, mas na igualdade de direitos das forças que o constituem. Isso explica porque as repúblicas seculares são tão radicais quanto os estados baseados no fundamentalismo religioso: todo aquele que insiste em calar vozes perde o direito de falar, e quem perde o direito a alguma coisa e ainda continua a exercê-lo, o faz pela força, de modo que sua autoridade se torna ilegítima e deve ser resistida.
Tanto a secularização quanto o fundamentalismo religioso conspiram contra a liberdade. Este é um tempo, portanto, de uma melhor definição de Estado laico. Não mais aquele onde a religião está ausente, mas aquele onde todas as religiões têm iguais e garantidos direitos, e aceitam participar do jogo democrático, respeitadas as regras do jogo, e mediante o acordo tácito de uma vez no poder, preservar os direitos dos discordantes. Isso sim é utopia. Isso sim é ser republicano. Ou democrata. Como queira. Isso sim é ser religioso (no sentido subjetivo). Ou secular (no sentido objetivo). Como queira.
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