A Bênção da Solidão

“Pois chegará o momento, e realmente, a hora é esta, quando sereis espalhados cada um para sua família. Vós me deixareis sozinho. Mas Eu não estou desamparado, pois meu Pai está comigo” (João 16.32, King James).

Poucas coisas são tão desestruturadoras como a solidão. No filme A última esperança da Terra, Charlton Heston faz um personagem que, sem contato com outros humanos (os demais estão contaminados e ele os evita), joga xadrez consigo mesmo. E conversa com uma estátua. Para não enlouquecer. Como no filme o náufrago, em que o personagem principal conversa com um côco, a quem chama de Mr. Wilson.
Li, certa vez, sobre a solidão das pessoas em S. Paulo, a maior cidade do Brasil. Numa cidade de onze milhões de habitantes, como há solitários! O Centro de Valorização da Vida, que atende pessoas em situação de crise, por telefone, tem seu trabalho dobrado em feriados e fins de semana prolongados. As pessoas ficam em casa, e não têm os colegas de trabalho consigo. Sentem-se sós, e se afligem.
Como, pois, dizer que a solidão é uma bênção? Artur da Távola apresentava um programa pela Tevê Senado, sobre ópera. Dizia constantemente que “Quem lê tem vida interior, e nunca está sozinho”. A solidão pode ser uma bênção para a pessoa desfrutar sua própria companhia. Para ler. Para pensar, reunir dados em sua mente, organizar seus pensamentos, estruturar sua vida.  A solidão é um excelente momento para o auto-exame. Sócrates disse que “A vida que não é examinada não é digna de ser vivida”. É bom autoexaminar-se.
A solidão é uma bênção porque nela a pessoa pode ouvir Deus. Moisés estava só quando Deus lhe falou e o chamou para uma obra que marcaria o mundo para sempre. Elias estava só (e queixou-se disso) quando Deus o alcançou e o mandou refazer seu caminho. Na solidão do ventre do grande peixe, Jonas teve muito tempo para examinar sua vida. Após seu batismo, Jesus foi o deserto, para a solidão. E o Diabo foi lhe fazer companhia, porque ele sempre se aproveita de nossa solidão. Mas o Salvador se fortaleceu, porque Deus também marcou sua presença ali. Ele sempre marca sua presença quando estamos sós, no deserto. Há até mesmo uma teologia do deserto, na Bíblia, mostrando-o como lugar de solidão, de crise, mas também lugar de se ouvir a voz de Deus. Porque o silêncio nos quebranta. Mostra que não somos tão fortes como pensávamos. Mostra que os amigos falham, e nem sempre podemos contar com eles. Bendita solidão! Ela pode nos ajudar a enxergar as coisas com mais clareza!
A grande bênção da solidão é que podemos ouvir mais claramente a voz de Deus. Não há alarido nem distrações. Há apenas a pessoa. E Deus. “Vós me deixareis sozinho”, disse Jesus. Seria seu pior momento. Mas na solidão produzida pelo abandono dos amigos, ele também disse: “Meu Pai está comigo”. Na solidão, tudo o que o fiel tem é a companhia de Deus. E isto basta! E como basta! Na realidade, o fiel nunca está só. Pode estar sem pessoas com ele, mas tem a promessa de Jesus: “Eu estarei permanentemente convosco, até o fim dos tempos” (Mt 28.20). Na solidão descobrimos que nunca estamos sós, pois o Senhor está conosco. Bendita solidão! Porque o Deus da Bíblia é o amigo dos solitários.
Já me senti só, no ministério pastoral. Acusado, infamado, apenas a família comigo. Alguns amigos desapareceram. Bem, se os amigos de Jesus desapareceram, por que seria diferente conosco? Mas nestes momentos da solidão, fiz a grande descoberta: Ele estava junto comigo. Bendita solidão!
Você nunca estará só. Se você é de Cristo, terá sua companhia. Terá a presença da Trindade bendita (não apenas o Espírito Santo, mas toda a Trindade) em sua vida. Será fortalecido. Os amigos falharão, mas Ele nunca falhará. Os amigos se ausentarão, mas Ele nunca se ausentará.
Na solidão, lembre-se do belíssimo hino 355 do HCC: “Sozinho? Por que sozinho? Oprimido? E abandonado? Ninguém te mostra carinho? Ninguém te tem amparado? Descansa em Deus o cuidado, põe nele tua esperança. E vai dormir descansado, como dorme uma criança, como dorme uma criança”.
Solitários: vocês podem contar com a companhia do Salvador. “… Porque Ele mesmo declarou: ‘Por motivo algum te abandonarei, nunca jamais te desampararei’” (Hb 13.5).