Crentes possessos? Essa não!
Acabo de ler o livro “Crentes Possessos”, editado pela Unipro Editora, da Igreja Universal, de autoria de David Higgenbothan. Com boa apresentação gráfica e estilo atraente, o livro em tela poderá se tornar um best-seller em pouco tempo, pela ampla divulgação feita por uma entidade que tem em mãos uma vasta rede de emissoras de rádio e um canal de televisão.
Mas, o que não raro ocorre com todo esse poder de marketing, é que um livro pode prestar imenso desserviço à causa do Evangelho. É o caso do livro em apreço que traz em seus páginas o germe da heresia, ainda que de maneira sutil e estilo atraente. Há nele afirmações e premissas que colidem frontalmente com o ensino das Escrituras, como veremos a seguir.
A tese de que uma pessoa, embora convertida a Cristo, possa ser possuída por demônios é absolutamente equivocada. A regeneração do pecador é obra sobrenatural, operada pelo Espírito Santo. Um milagre tão extraordinário que Jesus o denomina de “novo nascimento” (João 3.3). E o apóstolo Paulo, que experimentou em sua própria vida esse milagre, afirma que “se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5.17).
As tentações de Satanás são reais na vida do crente, mas este jamais poderá ser dominado ou possuído por demônios, é o que a Palavra de Deus nos garante: “Aquele que é nascido de Deus, o Maligno não lhe toca”. Ou como traduz a NVI: “O Maligno não o atinge”(1 João 5.18). No dizer de Russell N. Champlin, “o crente é como que um tesouro guardado em lugar seguro, zelosamente vigiado por Deus. O Maligno, a despeito de seu poder, não pode romper a barreira de proteção que guarda esse tesouro, razão pela qual Satanás não pode apossar-se do mesmo”.
Os casos de expulsão de demônios relatados na Bíblia, tanto os que foram expulsos por Jesus, quanto os libertados pelos apóstolos, são de pessoas que ainda não haviam alcançado a graça da salvação. Haja vista o que aconteceu com o gadareno, que era possuído por inúmeros espíritos malignos que o transformaram num farrapo humano, mas Cristo o libertou maravilhosamente das garras do inimigo (vide Marcos 5.1-20). Outro exemplo notável é o da jovem que era possuída por espírito de adivinhação, que foi expulso pelo apóstolo Paulo em Filipos, conforme o relato de Atos 16.1-18. Seguindo esta linha de pensamento, penso que os “testemunhos” que o referido livro apresenta, como sendo de pessoas convertidas, na verdade são de pessoas ainda não salvas.
Outra crença infundada exposta pelo autor é a de que o crente pode perder a salvação. Porém, a palavra autorizada de Jesus põe por terra tal afirmação. Na analogia feita pelo divino Mestre, em que ele é o Pastor e o crente é a ovelha, o ensino claro é que a salvação do crente é eterna, e não algo que se possa perder: “Eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10.28).
Outra aberração doutrinária exposta no livro é a da maldição hereditária, ou seja, a crença de que uma pessoa pode estar sofrendo algum mal ou enfermidade física em decorrência de pecados cometidos por seus ancestrais, uma espécie de carma, à moda espírita. Porém, a Palavra de Deus desfaz tal equívoco ao preconizar que a responsabilidade do pecador perante Deus é pessoal, e não atribuível a outrem. Ao tempo do profeta Ezequiel havia entre o povo um provérbio segundo o qual os filhos seriam vitimados pelos pecados dos pais, uma ideia errônea que foi contraditada pelo mensageiro de Deus, ao dizer: “Que pensais vós dizer, citando na terra de Israel este provérbio: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram? (…) A alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18.2 e 4). E Paulo, seguindo essa mesma esteira de pensamento, declara: “Cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (Romanos 14.12).
Há também no referido livro a afirmação de que toda doença é obra de Satanás, o que não corresponde à realidade. Pode-se admitir que algumas enfermidades possam ocorrer por influência maligna, em pessoas possuídas por espíritos demoníacos. Mas, daí a generalizar-se afirmando que todas as doenças são causadas pelo inimigo é cometer tremendo absurdo. Tanto os exemplos bíblicos quanto a experiência de verdadeiros servos de Deus nos dias presentes desmentem esse equívoco. A propósito, Paulo, nas saudações finais de uma de suas epístolas, menciona um servo fiel ao Senhor, de nome Trófimo, que estava doente e, certamente, a sua enfermidade não fora causada por Satanás (2 Timóteo 4.20).
Em nossos dias há também consagrados homens e mulheres de Deus acometidos das mais diversas doenças, cujas causas são apontadas pela medicina, mas esses amados irmãos sabem que tais enfermidades acontecem com a permissão de Deus, como provação que devem suportar com paciência, mas jamais pensariam que o sofrimento que enfrentam seria obra satânica. E não raro, fazem do sofrimento uma oportunidade a mais para o testemunho cristão, levando outros a obterem a graça salvadora pela fé em Cristo, além de receberem o conforto espiritual do Espírito de Deus em seus corações, certos de que “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30.5).
Na verdade, esses nossos irmãos sabem que no mundo estamos todos sujeitos às vicissitudes e percalços, enfrentando as pedras do caminho, mas, sustentados pela graça do Senhor, podemos vencer com bom ânimo, como nos ensina Jesus: “No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16.33).
Ante o exposto, e também pelo que se deduz da fala de alguns pregadores sensacionalistas, que se apresentam na televisão, pelo rádio e em grandes reuniões, é a clara tendência de ocultar a mensagem da cruz, do arrependimento e da fé salvadora por meio de Cristo.
Na verdade, estão dando muito Ibope a Satanás, ao falarem o tempo todo mais no Inimigo do que em Jesus. Em suas pregações, defendem a Teologia da Prosperidade, a expulsão de demônios e esquecem do Evangelho autêntico. Consequentemente, os incautos seguidores desses pregadores são iludidos com falsas crenças, e cada vez mais se distanciam da sã doutrina.
Que Deus abençoe os nossos leitores, para que estejam alertas contra esse tipo de pregação, que está a causar enorme desserviço à causa do Evangelho em nosso país. Com discernimento espiritual, atendamos à advertência bíblica: “Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo” (1 João 4.1).
Pr. Nilson Dimarzio
Extraído do OJB