A História de um Militar - Pr. Walter Santos Baptista



“1Terminando estas palavras, Jesus voltou para a cidade de Cafarnaum. 2Justamente naquela ocasião encontrava-se doente, e a morrer, o criado dum oficial do exército romano, a quem este estimava muito. 3Quando o oficial ouviu falar de Jesus, mandou alguns chefes judeus, muito respeitados, pedir-lhe que curasse aquele criado. 4 -5Começaram, pois, a rogar-lhe que fosse com eles e socorresse o homem: Se alguém merece ajuda é ele, porque gosta dos judeus e até pagou do seu próprio bolso a construção de uma sinagoga para nós. 6 -8Jesus foi pois com eles, mas, pouco antes de chegar a casa do oficial romano, este mandou uns amigos dizer-lhe: Senhor, não te incomodes a vir à minha casa porque não sou digno de tanta honra; por isso nem me julgo digno de ir ao teu encontro. Diz apenas uma palavra daí de onde estás e o meu criado será curado! Porque estou debaixo da autoridade de oficiais meus superiores e eu próprio tenho autoridade sobre os meus homens - basta-me dizer: 'Vão!' e eles vão; ou 'Venham!' e eles vêm; e ao meu servidor: 'Faz isto ou aquilo. 9 -10Jesus, maravilhado, voltou-se para a multidão e disse: Nunca entre todos os judeus de Israel encontrei um homem de fé como este. Quando os amigos do oficial regressaram, encontraram o criado completamente curado!” (Lc 7.1-10, versão O Livro)
Este é a narrativa do encontro de um militar com Jesus Cristo. Relata o Novo Testamento que era um capitão do Exército Romano, membro das forças de ocupação da Palestina. Tinha o posto de centurião, homem que tinha sob seu comando tropas de elite, sendo eles mesmos considerados os melhores homens do Exército Imperial de Roma. O historiador Políbio descreve esses membros da oficialidade romana, e diz que eram possuidores do dom de comandar, seguros na ação, dignos de toda a confiança tanto dos superiores quanto dos seus subalternos, em circunstâncias difíceis estavam dispostos a manter a posição, e, até, em sendo o caso, a morrer no posto.
O Novo Testamento fala em seis desses oficiais, sendo todos altamente respeitáveis. Este capitão, no entanto, o comandante da tropa baseada em Cafarnaum, tem algo de especial na sua personalidade. Algumas coisas o diferenciam dos outros mencionados nas páginas do Novo Testamento. Uma é sua atitude pouco comum para com o seu escravo. Sim, tinha ele um escravo (aliás, a história é, na realidade, sobre seu escravo) que estava enfermo. Aqui temos, portanto, um dono de escravo, numa época em que escravos eram apenas bens descartáveis, mas este militar tinha uma grande preocupação com o seu servo, pelo qual enfrentaria, mesmo, qualquer dificuldade.
Outro fato a observar é que era profundamente religioso. Apesar do seu posto, era humilde. Era comandante da Companhia de Polícia Militar da cidade de Cafarnaum, na Galiléia, e se sentia indigno de ir a Jesus Cristo. Pediu, até, a interferência das autoridades civis judaicas, os vereadores (chamados na época os anciãos).
Observe-se, ainda, que era homem de uma extraordinária fé.
Verificamos, ainda, na história deste militar, três determinantes de significativa importância. Será o objeto de nossa reflexão. A primeira delas é a expressão por ele usada: “Não sou digno”.

“Não sou digno” (Lc 7.6)
A expressão foi, “... não sou digno de tanta honra...”, ou como diz outra versão do Novo Testamento, “Não sou digno de que entres debaixo do meu telhado”. Chama a atenção que as autoridades civis e religiosas dos judeus, aqueles que tinham sua terra ocupada, era tido homem em alto respeito e consideração.
Ele não se considera digno de receber a Jesus em seu lar. Faz, até, uma certa resistência. É humilde, já o dissemos, mas Jesus o declara digno, perfeita e plenamente digno. Nas Suas palavras “Nunca entre todos os judeus de Israel encontrei um homem de fé como este. (v.9). O ex-diretor da Polícia Federal americana (FBI), J. Edgar Hoover, afirma ter observado muito tipo de gente, e afirmou que o mais sábio, o mais competente, o mais confiável era também o primeiro a ser humilde. Esse homem é forte, digno, porque é humilde (cf. Pv. 3.5).
Nossa dignidade é algo essencial, não acidental. Somos dignos por causa de nossa criação divina; é transcendental por vocação nossa dignidade. Sim, somos chamados à salvação, por isso que somos declarados dignos pelo Senhor. E mais: nossa dignidade é sobrenatural por causa do novo nascimento em Jesus Cristo.
O ser humano, então, é uma criatura que tem raízes na ordem natural. Ninguém o nega, ninguém nega que a nossa constituição química é idêntica à dos outros organismos, e, com diferença de proporção, a mesma da natureza e do solo onde pisamos. A Bíblia até exclama, “de um modo tão admirável e maravilhoso” fomos formados (Sl 139.14). E, realmente, tanto a ciência quanto a Bíblia Sagrada concordam que o ser humano é a coroa da criação. E isso porque é uma criação especial de Deus (Gn 1.27).
Ora, criado por último, o ser humano veio coroar toda a obra criada. Possuindo uma natureza racional, moral e emocional, fomos criados à imagem espiritual do Deus Eterno. Somos dotados de uma vontade independente e inteligente, somos responsáveis pelo que escolhemos, e também responsáveis diante de Deus pelos nossos atos, como ensina a Escritura (cf. Gn 3.9ss). Aliás, a dignidade do ser humano está descrita no Salmo 8, salmo que foi lido quando os astronautas chegaram à Lua pela vez primeira. O Salmo diz, “Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, tu que puseste a tua glória dos céus!” v.1). E mais adiante, ressalta:

“Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o [ser humano], para que te lembres dele? [nada diante do universo!] e o filho do homem, para que o visites? [absolutamente nada!] Contudo, pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés” (vv. 3-6).

É assim que a Bíblia descreve você. É descrita, ainda, essa dignidade nossa em termos de um relacionamento especial, um relacionamento muito particular com Deus, que torna o ser humano o que é, o que você é.

É preciso crer, então na bondade essencial da pessoa humana, crer na sua dignidade. É preciso acreditar na nossa dignidade de progresso moral e espiritual, e na capacidade de amar e de servir. E foi precisamente isso o que Jesus Cristo viu naquele militar que O procurou. Outra observação a ser feita está nos versos 7 a 9. Ele falou a Jesus assim: “Diz apenas uma palavra” (v. 7a).

“Diz apenas uma palavra” (Lc 7.7a)
O capitão sequer pensava em Jesus ir ao seu lar. Nem passou pela sua cabeça. De Jesus, ele só queria uma palavra. Uma só, e já bastaria!

Acostumado à disciplina militar, espinha dorsal da vida na tropa, sugere a Jesus que é bastante uma palavra de comando, e tudo estaria resolvido. Na economia divina, assim acontece, pois, “assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei” (Is 55.11, ARA). E argumenta com sua atitude em relação aos subalternos dizendo: “Porque estou debaixo da autoridade de oficiais meus superiores e eu próprio tenho autoridade sobre os meus homens - basta-me dizer: 'Vão!' e eles vão; ou 'Venham!' e eles vêm; e ao meu servidor: 'Faz isto ou aquilo” (v.8). Ele sabia o que era comandar. E, nesse ponto, Jesus Se admira: “Jesus, maravilhado, voltou-se para a multidão e disse: Nunca entre todos os judeus de Israel encontrei um homem de fé como este” (v. 9). Aliás, duas vezes Jesus Se admirou. Em outro episódio de Seu ministério, Jesus Se admirou da incredulidade (Mc 6.6), mas aqui, diz a Bíblia, Jesus Se maravilhou diante da fé daquele oficial.

A fé é fundamental ao evangelho de Jesus Cristo. Sem ela, não se pode ter uma verdadeira perspectiva evangélica a ser aplicada ao nosso quotidiano, às nossas dúvidas, e aos sofrimentos até. Para o cristão, a fé não é aceitação intelectual de uma teoria. É obediência, é adesão, é atitude, é levar Deus a sério. É completa confiança em Jesus Cristo. Ele, sim, objeto da fé de quem se intitula cristão.

A autêntica fé compromete aquele que se chama cristão; a verdadeira fé compromete-o totalmente, unindo-o de modo absoluto, resoluto e arrebatador ao coração de Deus. Não foi Jeremias, o profeta, que disse: “Seduziste-me, ó Senhor, e deixei-me seduzir”? (Jr 20.7a).

A fé tem seus efeitos. É uma nova visão do mundo. Quando você tem fé, vê o mundo diferentemente, com outros olhos. Talvez, mesmo, com outros óculos. Não mais as lentes escuras em que tudo aparece tenebroso. Agora, você tem uma nova ótica, uma nova perspectiva. Pela fé, você tem uma nova visão da História, e porque, como cristão, estamos pessoalmente engajados na História da Salvação da sociedade e do indivíduo humano, você tem, até, uma nova visão de si mesmo nesse extraordinário plano divino para os séculos.

Outra relevante determinante surge. Logo no comecinho da história, está dito que aquele oficial ouviu falar de Jesus.

A Pessoa de Cristo (Lc 7.3a)
O militar ouvira falar de Jesus Cristo. Era Jesus uma figura singular na História humana. Não é sem razão que a própria História está dividida em “antes de Cristo” e “depois de Cristo”. Só uma figura ímpar poderia marcar o tempo de tal maneira. Na palavra de Paulo há uma felicíssima expressão que diz, “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19, ARA).

Observem: Deus estava em Jesus Cristo reconciliando nós mesmos com Seu coração. E continua o apóstolo, “não imputando aos homens as suas transgressões [os pecados]; e nos encarregou da palavra da reconciliação [com a eternidade]”.

Pois é; esse é o fato central da nossa fé em Cristo. Não precisamos tentar compreender os mistérios da encarnação (cf. Jo 1.14; 1Tm 3.16; Fp 2.5-7). Nunca vou entender, talvez na glória eterna, como foi possível Deus encarnar-se. Não é preciso tentar compreender isso para perceber que Jesus Cristo é singular. Mas foi o que aconteceu com aquele militar, capitão da força policial em Cafarnaum. Em Cristo, ele viu o perfeito caráter de Deus; em Cristo, ele viu Deus em operação; ele viu em Cristo o caminho, e viu a verdade, e viu em Jesus Cristo, a vida, a plena vida, a vida eterna.

William Gladstone, um pensador, afirmou que “Tudo quanto escrevo, e penso, e espero se baseia na divindade de Jesus Cristo, a única esperança, a central esperança de nossa pobre e desviada raça humana.” E, na pessoa daquele capitão, vemos o objetivo da fé, e a fé é em Cristo Jesus. Na pessoa de seu servo, o efeito da fé, a restauração. Por isso, diz o texto bíblico: “Quando os amigos do oficial regressaram, encontraram o criado completamente curado!” (v. 9b).

É perfeitamente pertinente uma palavra de alento, de encorajamento e de alerta. Isso porque precisamos de Jesus como referencial na vida. Nós nos chamamos cristãos. Cristãos que somos, precisamos ser discípulos do Senhor aprendendo sempre, sempre aprendendo. Que ninguém imagine que, por ter atingido determinado patamar na carreira profissional, já tem tudo. Que realizemos o todo da vida no espírito de Jesus Cristo exercendo justiça quando justiça for necessário, mas sempre com amor, como ensinou São Paulo: “E tudo o que fizerem que seja com bondade e amor” (1Co 16.14). Até mesmo na hora de dar voz de prisão, que haja um senso mais elevado de restauração daquele ser prejudicado pela maldade, pela malignidade que toma conta deste sistema de coisas.
Que Jesus Cristo possa olhar para cada um e dizer “Não, você é perfeita e absolutamente digno”, porque dessa dignidade já somos herdeiros naturais”.

(Culto de Ação de Graças do Comandante-Geral da Polícia Militar da Bahia)

Pr. Walter Santos Baptista - Igreja Batista Sião - Seminário Teológico Batista do Nordeste em Salvador - Salvador, BA
E-Mail: wsbaptista@terra.com.br

Fonte: http://www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/vida069.htm