Cristologia Ortodoxa - Artigos
Índice...Um Resumo da Cristologia Ortodoxa - Mark Jones
O Contexto Histórico da Cristologia Ortodoxa - Stephen Nichols
Cristologia Ortodoxa: Importância (1/5) - Keith Mathison
Cristologia Ortodoxa: Pentateuco (2/5) - Keith Mathison
Cristologia Ortodoxa: Livros Históricos e Salmos (3/5) - Keith Mathison
Cristologia Ortodoxa: Profetas (4/5) - Keith Mathison
Cristologia Ortodoxa: Novo Testamento (5/5) - Keith Mathison
Um Resumo da Cristologia Ortodoxa
Mark Jones25 de Fevereiro de 2016 - Teologia
Não há questão mais importante do que a que Jesus fez a seus discípulos (Mt 16.15): “Quem dizeis que eu sou?” Nenhuma questão foi mais intensamente debatida, completa e parcialmente mal entendida, ignorada com grande risco e respondida corretamente com grande benefício do que essa. A resposta correta para essa pergunta é, em alguns aspectos, simples o bastante para salvar uma criança, mas também complexa o bastante para manter os teólogos ocupados por toda a eternidade. Se a vida eterna é conhecer a Jesus Cristo (Jo 17.3), então não podemos nos dar ao luxo de sermos ignorantes sobre aquele que é "o mais distinguido entre dez mil" (Ct 5.10).
Pedro confessou Jesus como o "Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16.16). João falou de Jesus como "o Verbo" que se fez carne (Jo 1.14). Paulo descreve Jesus não só como "a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação" (Cl 1.15), mas também como "Cristo Jesus, homem" (1Tm 2.5). Da mesma forma, o autor de Hebreus identifica Jesus tanto como "o resplendor da glória" (Hb 1.3) de Deus quanto como aquele que participou de carne e sangue (2.14). Depois de tocar em Cristo, Tomé memoravelmente confessou Jesus como seu "Senhor" e seu "Deus" (Jo 20.28). No Antigo Testamento, Isaías teve uma visão de Cristo em que o chama de "o Rei, o Senhor dos Exércitos" (Jo 12.41; ver Is 6.5), mas também chamou este Rei de servo do Senhor, que não tinha "nenhuma beleza que nos agradasse" (Is 53.2).
Jesus também tinha muito a dizer sobre si mesmo. No evangelho de João, lugar das conhecidas afirmações "Eu sou", ele refere-se a si mesmo como o "pão da vida" (Jo 6.48), "a luz do mundo" (8.12), "a porta" (10.9), "o bom pastor" (10.11), "a ressurreição e a vida"(11.25), "o caminho, e a verdade, e a vida"(14.6) e "a videira verdadeira" (15.1).
Em outras passagens, Jesus é chamado de mestre (Mc 1.27), profeta (Mt 21.11), filho de Davi (9.27), servo (12.18), Filho do Homem (12.8), Senhor (14.30), Cordeiro de Deus (Jo 1.36), Santo de Deus (6.69), o Princípio (Cl 1.18), sumo sacerdote (Hb 5.1-10), aquele que vive (Ap 1.18), Libertador (Rm 11.26) e a brilhante Estrela da manhã (Ap 22.16).
A essa impressionante variedade de nomes e descrições bíblicas poderiam ser acrescentadas muitas outras; na verdade, muito mais do que podemos pensar ou imaginar. Contudo, essas declarações múltiplas da pessoa de Cristo nem sempre são de fácil compreensão. Na verdade, a igreja primitiva batalhou duramente antes de chegar a uma descrição concisa e precisa da pessoa de Cristo, no Concílio de Calcedônia (451 d.C.).
História: Heróis e Hereges
Cada século, desde o tempo de nosso Senhor e dos Apóstolos em diante, tem testemunhado uma ou mais visões aberrantes sobre Cristo. Sem ser minucioso, no final do primeiro século o erro do docetismo deixou sua marca. Serapião, bispo de Antioquia (190-203), propôs a visão de que a carne de Jesus era "espiritual". Jesus não tinha uma verdadeira natureza humana, apenas parecia (em grego: dokeo, "parecer") humano. Esta visão falsa foi defendida por alguns, mesmo enquanto os apóstolos ainda estavam vivos (2Jo 7).
No segundo século, os ebionitas ("os pobres") rejeitaram a concepção virginal de Jesus. Eles o consideravam o Messias, mas não aceitavam que fosse divino.
O início do terceiro século viu o surgimento de Paulo de Samósata, que foi bispo da igreja de Antioquia (c. 260). Ele tinha uma visão peculiar de Cristo, que incorporava várias heresias. Para ele, Jesus era um homem comum que foi habitado pelo Logos (Verbo) e, assim, tornou-se o Filho de Deus. O Logos que habitava Jesus não era uma pessoa divina distinta do Pai e do Espírito; antes, era o atributo divino do Pai que habitava em Jesus.
Um dos dois principais antagonistas à visão correta sobre Cristo no século IV foi Apolinário de Laodiceia (c. 315-92). Apolinário reagiu, em parte, a outros movimentos heréticos. Em sua reação a uma visão como a de Paulo de Samósata, Apolinário sustentava que o Logos assumira um corpo humano, mas não uma mente humana. Seus adversários responderam corretamente que esta teoria significava que a encarnação seria simplesmente a divindade habitando uma carne sem mente e sem alma. Muitos cristãos hoje caem em um erro semelhante ao pensar que a mente e a alma de Cristo são a sua natureza divina; mas isso é falso. O outro herege desta época foi Ário de Alexandria (c. 250-336). Ele negou que o Logos fosse coigual ao Pai, e sustentou que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia.
No século V, uma cristologia mais precisa se estabeleceu, mas apenas depois de muita luta política e teológica. Na verdade, mesmo antes de Calcedônia, houve concílios que buscaram compreender os dados bíblicos sobre a pessoa de Cristo. Durante aquele século, o mais significativo na igreja primitiva para o desenvolvimento da cristologia, teólogos de Antioquia, onde Nestório recebeu seu treinamento, foram muito determinados em fazer jus à plena humanidade de Jesus. Cirilo de Alexandria (c. 376-444), talvez o teólogo mais importante a escrever sobre a pessoa de Cristo na igreja primitiva, apreciava essa preocupação, mesmo que por vezes tenha dito coisas que parecessem contradizer essa crença. De fato, Cirilo e os teólogos de Antioquia estiveram, por um tempo, em certo acordo. Naturalmente, o acordo não era completo; os seguidores mais extremos de Cirilo, como Eutiques, tendiam a "deificar" a humanidade de Cristo.
Tudo isso aponta para o fato de que todos os teólogos até esse ponto tinham em comum a crença nas duas naturezas de Cristo. Suas diferenças, entretanto, estavam na qualidade ou integridade das duas naturezas ao se relacionarem na pessoa de Cristo. Alguns enfatizavam tanto a natureza divina que muito pouco, ou nada, era deixado da natureza humana de Cristo; outros faziam o oposto. Calcedônia parece ter resolvido com grande sucesso os problemas que atormentaram a igreja durante os primeiros cinco séculos.
O credo calcedoniano (451)
À medida que as crises cristológicas do século V continuavam a se intensificar, a imperatriz Pulquéria e o imperador Marciano convocaram um concílio em Calcedônia. O concílio foi rigorosamente monitorado. Não apenas alguns bispos foram autorizados e outros rejeitados, como também certos documentos foram admitidos e outros proibidos. No Concílio de Éfeso (431), o Tomo de Leão, bispo de Roma, não foi admitido. Mas em Calcedônia, o Tomo de Leão foi permitido para que, combinado com as ênfases de Cirilo de Alexandria, se chegasse a algum tipo de declaração em comum. Cirilo, que morreu anos antes de Calcedônia, enfatizou bastante a união das duas naturezas em uma "unidade" impecável (em grego henosis). A ênfase nas duas naturezas, um produto da cristologia ocidental (típica de Agostinho e outros ocidentais), refletiu uma ênfase de Leão, que também chega até o credo. No parágrafo central de Calcedônia lê-se:
Seguindo os Santos Padres confessamos um e o mesmo, nosso Senhor Jesus Cristo, e todos ensinamos unânimes que o mesmo é perfeito em divindade, o mesmo perfeito em humanidade; verdadeiro Deus e verdadeiro homem; o mesmo de uma alma racional e corpo; consubstancial com o Pai na divindade e também consubstancial conosco em humanidade; semelhante a nós em tudo, exceto no pecado; gerado antes da eras, do Pai na divindade; o mesmo nestes últimos dias, e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria Theotokos ["portadora de Deus"] na humanidade; um e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, único; reconhecido em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a diferença das naturezas não sendo de forma alguma desfeita por causa da união, antes o caráter distintivo de cada natureza sendo preservado, combinando-se em uma pessoa e hipóstase; não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho e Unigênito Deus, Verbo, Senhor Jesus Cristo; como os profetas do passado e o próprio Senhor Jesus Cristo nos ensinaram a seu respeito, e como o credo dos pais foi entregue a nós.
Esta declaração sobre a pessoa de Cristo permanece sendo uma bela demonstração de ortodoxia, com a qual deve concordar quem deseja permanecer ortodoxo e fiel à totalidade do testemunho bíblico. Ela tem resistido ao teste do tempo. É certo que a definição se presta a interpretações variadas. Por exemplo, teólogos católicos romanos, luteranos e reformados desenvolveram cristologias que não podem ser harmonizadas em alguns pontos. Novamente, se a relação entre as duas naturezas provou-se a fonte de muitos conflitos pré-Calcedônia, não se pode negar que alguns conflitos permanecem até hoje, mesmo que não tenham a ferocidade política da igreja primitiva. Agora, partindo das declarações do credo calcedoniano, vamos procurar dar uma resposta abrangente à pergunta feita por Cristo: "Quem dizem os homens que eu sou?"
Perfeito em divindade
A evidência de que Jesus de Nazaré é plenamente divino, homoousios (uma substância) com Deus, é tão abundante que fica muito difícil simpatizar com aqueles que lutam contra esta verdade. Se Jesus não é plenamente Deus, os escritores do Novo Testamento se esforçaram para confundir e mentir para a igreja (por exemplo, veja Fp 2.5-11; Cl 1; Hb 1).
O prólogo do Evangelho de João fornece evidências explícitas o suficiente para que a igreja possa concluir satisfatoriamente que Jesus é "verdadeiramente Deus". Considere as palavras de abertura: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus". Mais adiante no prólogo, João apresenta o ponto surpreendente (talvez o verso mais inacreditável para qualquer judeu do primeiro século): que "o Verbo se fez carne". A palavra "era" no versículo 1 deve ser contrastada com "se fez" no versículo 14. O Verbo (Logos) não "se fez" no sentido de vir a existir. Ao contrário, o Verbo simplesmente "era". Outras passagens do Evangelho de João só servem para confirmar e reforçar esta verdade (Jo 3.13; 6.62; 8.57-58; 17.5; 20.28). Além disso, quando Isaías viu "o Rei, o Senhor dos Exércitos" (Is 6.5), João cita uma grande parte desse capítulo e, em seguida, afirma que Isaías disse isso "porque ele viu a glória dele e falou a seu respeito [de Jesus]" (Jo 12.41). Em Isaías, somos informados de que Deus não dá a sua glória a ninguém a não ser a si mesmo; não obstante, em João 17.5, Jesus pede ao Pai para glorificá-lo em sua presença "com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo". Se Jesus não é Deus, então ele não é apenas um iludido, mas seu pedido é uma abominação.
No livro de Apocalipse, há igualmente muitos lugares que demonstram a divindade de Cristo. Ao descrever Jesus no livro de Apocalipse, João claramente faz uma ligação entre Jesus e Yahweh (o Senhor):
"Eu, o Senhor, o primeiro, e com os últimos eu mesmo" (Is 41.4). "Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que vive" (Ap 1.17-18).
"Eu sou o primeiro e eu sou o último, e além de mim não há Deus" (Is 44.6). "Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas coisas diz o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver" (Ap 2.8).
"Eu sou o mesmo, sou o primeiro e também o último" (Is 48.12). "Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Ap 22.13).
Esses paralelos marcantes deixam pouca dúvida quanto ao que o próprio Jesus acreditava ser: ninguém menos que o próprio Yahweh.
Perfeito em humanidade
Jesus não é apenas divino, mas também verdadeiramente humano. Como Calcedônia afirma: "verdadeiro homem; o mesmo de uma alma racional e corpo; [...] consubstancial conosco em humanidade; semelhante a nós em tudo, exceto no pecado". Por isso, ele é chamado de "Cristo Jesus, homem" (1Tm 2.5), que participou de "carne e sangue", a fim de derrotar o diabo através da morte (Hb 2.14). Ele é semelhante a nós "em todas as coisas" (2.17), até o ponto de ter sido tentado em todas as coisas à nossa semelhança, mas sem pecado (4.15).
A evidência da verdadeira humanidade de Cristo é tão conclusiva quanto a evidência de sua verdadeira divindade. Sendo verdadeiramente humano, Jesus experimentou reações físicas tais como fome (Mt 4.2), sede (Jo 19.28) e fadiga (Jo 4.6). Ele chorou (11.35), pranteou (Lc 19.41), suspirou (Mc 7.34), e gemeu (Marcos 8.12). Como B.B. Warfield disse: "Não falta nada para nos causar a forte impressão que temos diante de nós, em Jesus, um ser humano como nós".
Mas porque ele era sem pecado, todos as suas paixões eram mantidas em perfeita proporção e equilíbrio. Ele ficou apropriadamente irado quando estava com raiva, bem como completamente alegre quando estava alegre. De fato, ele experimentou "não apenas alegria, mas exultação, não mero aborrecimento irritado, mas furiosa indignação, não mera pena passageira, mas os movimentos mais profundos de compaixão e amor, não mera angústia superficial, mas uma profunda tristeza até a morte, [que ainda assim] nunca o dominaram" (Warfield). Todos os seus afetos foram mantidos em total submissão à vontade de seu Pai.
Nascido da Virgem Maria Theotokos
Como compreendemos o fato de que Jesus é totalmente Deus e totalmente homem? Uma palavra: encarnação (Lc 1.26-38). O maior prodígio de Deus é a encarnação do Filho de Deus. O céu beijou a terra. Consequentemente, o Criador é para sempre identificado com a criatura. Na união das duas naturezas na pessoa de Cristo, vemos eternidade e temporalidade, eterna bem-aventurança e tristeza temporal, onipotência e fraqueza, onisciência e ignorância, imutabilidade e mutabilidade, infinito e finitude. Ou, como Stephen Charnock coloca: "Que Deus sobre um trono seja um infante em um berço; que o trovejante Criador seja um bebê chorando e um homem sofredor são expressões de tão grande poder, bem como de tal amor condescendente, que surpreendem os homens na terra e os anjos no céu".
Mas o que dizer da linguagem que diz que Maria é Theotokos (a portadora de Deus)? A verdade desta afirmação não deve ser rejeitada por causa de como tem sido mal interpretada pelos católicos romanos e usada para venerar Maria como "Mãe de Deus". O título de "portadora de Deus" diz algo sobre Jesus, não sobre Maria.
Quando o Filho se fez carne (Jo 1.14), ele assumiu uma natureza humana, não uma pessoa humana. A natureza humana subsiste na personalidade do Filho de Deus: "não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho e Unigênito Deus, Verbo, Senhor Jesus Cristo". Os teólogos chamaram a encarnação do Filho de Deus de "união hipostática". A união das duas naturezas em uma pessoa significa que, quando falamos de Jesus, não dizemos que sua natureza humana fez isso ou sua natureza divina fez aquilo. Em vez disso, dizemos que Jesus fez isso ou aquilo de acordo com sua natureza humana ou divina. Paulo pontua isto no início de Romanos: "com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi" (Rm 1.3).
Aquele que Maria deu à luz não era meramente humano, nem tinha apenas uma natureza humana. Aquele que nasceu de Maria era uma pessoa divina que possuía tanto uma natureza humana quanto uma natureza divina. Essa pessoa é o Filho de Deus, o que significa que Maria pode ser chamada de "a portadora de Deus" desde que fique claro o que isso significa. O título theotokos afirma que Jesus permaneceu completamente divino mesmo ao assumir a natureza humana. Ele não diz que Maria é digna de veneração como "Rainha do Céu" ou como "co-mediadora" com Cristo, como ensina a doutrina católica romana.
O caráter distintivo de cada natureza sendo preservado
A maioria dos teólogos cristãos afirma a distinção entre as duas naturezas de Cristo. Mas como essas duas naturezas referem-se uma à outra tem sido uma fonte de grande disputa entre várias tradições teológicas. Neste ponto, o credo calcedoniano permite uma variedade de interpretações.
Teólogos reformados se apegam à máxima teológica de que o finito (humanidade) não pode conter o infinito (divindade). Esta máxima é verdadeira quanto às duas naturezas de Cristo, mesmo agora no céu. Por essa razão, Cristo tem limitações de acordo com a sua natureza humana. Ele se desenvolveu desde a infância até a idade adulta, e experimentou um crescimento no conhecimento apropriado para cada fase de sua vida (Lc 2.52). Ele teve que ser ensinado por seu pai (Is 50.4-6). De acordo com a sua humanidade, ele teve de se contentar que nem tudo lhe foi revelado durante seu tempo na terra: "Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão o Pai" (Mt 24.36). Ele "aprendeu a obediência" através do sofrimento (Hb 5.8).
Uma vez que a relação entre duas naturezas de Cristo tem sido calorosamente debatida desde Calcedônia, a Confissão de Fé de Westminster (8.7) oferece uma explicação da "comunicação de propriedades" que esclarece o ponto acima: "Cristo, na obra de mediação, age de conformidade com as suas duas naturezas, fazendo cada uma o que lhe é próprio; contudo, em razão da unidade da pessoa, o que é próprio de uma natureza é, às vezes, nas Escrituras, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza". Uma advertência cabe aqui, no entanto. Embora os atributos de qualquer natureza possam ser e são predicados da pessoa, os atributos de cada natureza não podem ser predicados da outra natureza. Por exemplo, Jesus não morreu de acordo com a sua natureza divina, porque não se pode predicar a morte, algo apenas uma natureza humana pode sofrer, à natureza divina. Jesus morreu de acordo com sua natureza humana, mas não com sua natureza divina.
Para se ter uma ideia do que a confissão quer dizer aqui, consideremos Atos 20.28: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue". Neste versículo, a pessoa única de Cristo é denominada pela natureza divina. Em outras palavras, ele é referido como "Deus", mesmo sendo Deus e homem, divino e humano. Entretanto, por ser um Espírito, Deus não tem sangue. O sangue é próprio apenas da natureza humana, não da natureza divina. O que a confissão está dizendo é que, porque as duas naturezas estão unidas em uma só pessoa, o sangue (que é próprio apenas da natureza humana) é atribuído à pessoa única de Cristo (que neste versículo está sendo chamado ou denominado "Deus", apesar de o nome de Deus ser próprio apenas da natureza divina). Porque Cristo possui duas naturezas unidas, podemos falar do "sangue de Deus", já que "o que é próprio de uma natureza é, às vezes, nas Escrituras, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza". Os atributos de qualquer das naturezas podem ser predicados da pessoa de Cristo, mesmo quando Jesus é referido por um nome ou de um modo que é próprio apenas de uma dessas naturezas.
Perguntas especiais
Subordinação: Jesus voluntariamente se submeteu à vontade do Pai. No movimento "alto-baixo-alto" de Filipenses 2.6-11 o Filho de Deus, "subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus" (alto), mas a si mesmo se esvaziou, assumiu a forma de servo, e obedeceu ao Pai até à morte de cruz (baixo), que por sua vez levou à sua exaltação, na qual lhe é dado o nome acima de todo nome (alto). Todas as declarações no Novo Testamento a respeito da "subordinação" de Cristo (Jo 14.28) precisam ser entendidas à luz do acordo entre as pessoas da Trindade, pelo qual o Filho assumiria carne humana e se subordinaria à vontade do Pai.
Impecabilidade: Poderia Jesus, uma vez que foi tentado, ter a possibilidade de pecar? Teólogos têm discordado sobre esta questão, mas a resposta deve ser "não". Há duas razões por que Jesus não poderia pecar. Primeiro, se Cristo pudesse pecar, então surgiria um problema quanto à relação entre as vontades humana e divina de Cristo. A definição de fé do Sexto Concílio Ecumênico de Constantinopla (680-81) afirma: "E estas duas vontades naturais não são contrárias uma à outra como afirmam os ímpios hereges, mas sua vontade humana segue, não resistindo ou relutante, antes sujeita, à sua vontade divina e onipotente". A vontade humana não pode ser contrária à vontade divina em Cristo, mas apenas sujeita a ela. Em segundo lugar, por causa da unidade da pessoa, Cristo não poderia pecar sem comprometer a Deus. A natureza humana de Cristo pode ser "pecável" (capaz de pecar); mas uma vez que em sua constituição ele é o Deus-homem, ele é, portanto, uma pessoa impecável.
O Espírito Santo: Se Cristo era completamente divino, por que lemos tantas referências à obra do Espírito Santo sobre ele durante sua vida terrena? Desde o momento da encarnação (Lc 1.31,35), passando por seu batismo (Mc 1.10), sua tentação (Mc 1.12; Lc 4.14), sua pregação (Lc 4.18), a operação de milagres (Mt 12.28), sua morte (Hb 9.14), sua ressurreição (Rm 1.4; 8.11), até sua ascensão e entronização (Sl 45.1-7; At 2.33), descobrimos que o Espírito Santo foi um companheiro constante e inseparável de Cristo.
Cristo escolheu não considerar sua igualdade com Deus como algo a se explorar ou tirar proveito (Fp 2.6). Portanto, em completa dependência do Espírito Santo, Cristo obedeceu ao Pai perfeitamente, sem apego à sua própria natureza divina. Como John Owen argumentou, "O que quer que o Filho de Deus tenha operado em, por ou sobre a natureza humana, ele o fez pelo Espírito Santo". O Espírito Santo produz em Cristo o fruto do Espírito (Gl 5.22). Assim, os crentes podem esperar não apenas um salvador formidável, que derrotou os poderes das trevas, mas também um salvador misericordioso, paciente, bondoso e amoroso, porque ele é pleno das graças do Espírito Santo. Por causa desta verdade, Thomas Goodwin afirmou que os pecados do povo de Deus movem Cristo mais à compaixão do que à ira. De fato, Goodwin acrescenta: "Se houvesse infinitos mundos feitos de criaturas amorosas, não haveria tanto amor neles como houve no coração do homem Cristo Jesus".
Conclusão
Por causa da entrada do pecado no mundo através do homem, o homem deve prestar reparação a Deus. Mas o homem pecador não pode reparar o dano pelo seu pecado. Um mero homem sem pecado só poderia, potencialmente, fazer restituição por um homem pecador. Reparação por muitos homens ("como a areia da praia") só pode acontecer através do Deus-homem, Jesus Cristo, por causa do valor infinito de sua pessoa. Ele é o Messias designado por Deus, o único que pode trazer a salvação para os pecadores por meio de sua morte e ressurreição. Pedro reconheceu essa grande verdade, para seu grande benefício. Pela fé, Pedro confessou Jesus como o Cristo, o Filho de Deus (Mt 16.16). Pela visão, Pedro agora contempla a glória de Deus na face de Jesus Cristo. Aqueles que contemplam a glória de Deus na face de Jesus Cristo nesta vida, pela fé (2Co 3.18), podem confiantemente esperar fazer o mesmo na vida por vir, por vista (5.7). Essa é a nossa esperança; essa é a nossa alegria. É por isso que a única esperança para a igreja hoje não é um mero homem, mas o Deus-homem, que pergunta a você: "Quem dizes que eu sou"?
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AutorMark Jones
Dr. Mark Jones é pastor em Faith Vancouver, Columbia Britânica (Canadá). É autor do livro sobre cristologia Knowing Christ.
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O Contexto Histórico da Cristologia Ortodoxa
Stephen Nichols19 de Fevereiro de 2016 - Teologia
Situada junto à costa leste do Lago Iznik, na Turquia, encontra-se a antiga cidade de Niceia. Assim como Camp David fornece ao presidente dos Estados Unidos um lugar de refúgio da agitação de Washington e da Casa Branca, Niceia também servia às necessidades dos antigos imperadores. Constantino a utilizava como seu palácio de verão. Em 325 d.C., ele convocou uma grande reunião de mais de trezentos bispos e líderes da igreja. Eles foram chamados para discutir, debater e, eventualmente, declarar a resolução de uma controvérsia que assolava a igreja primitiva; uma controvérsia que alcança o coração do cristianismo, o coração da missão e identidade da Igreja, o coração do próprio evangelho.
A controvérsia dizia respeito à pessoa de Jesus Cristo. A questão que o próprio Jesus fizera em seus dias, "Quem dizeis que eu sou?" (Mt 16.15), reverberava por toda a igreja primitiva. Dos dias do Novo Testamento até o final dos anos 200, a questão da humanidade de Jesus predominava. Nos anos 300, as questões giravam em torno da divindade de Cristo. Cristo é plenamente Deus, de completa e absoluta divindade? Ou seria ele algo menos?
Nos anos 400, e ainda além, novas perguntas surgiriam. Estas diziam respeito à união das duas naturezas, divina e humana, na pessoa una de Cristo. Mais um concílio seria convocado, desta vez em Calcedônia em 451, para enfrentar essa questão tão importante.
A sombra de Platão
Vamos voltar à primeira etapa da controvérsia sobre Cristo: o debate sobre a humanidade de Jesus, dos anos 100 aos 200. Embora já estivesse morto há séculos, a sombra de Platão se projetava largamente sobre o pensamento filosófico dos primeiros séculos da Igreja. O pensamento de Platão dominou grande parte da cosmovisão antiga, e se infiltrou na igreja primitiva. Uma das principais doutrinas de Platão é que a matéria, a substância física, é má. Alguém excessivamente influenciado por Platão logo chegaria à conclusão de que Deus nunca poderia se fazer carne.
Aqueles que sustentavam esse ponto de vista na igreja primitiva eram chamados de docetas. Dokeo é a palavra grega que significa "parecer". A heresia do docetismo sustentava que Jesus só parecia ser humano – ele não era, de forma alguma, humano.
Um grupo formidável de pais da igreja se reuniu para denunciar essa heresia e livrar a Igreja de quaisquer ideias e ensinamentos docéticos. Tertuliano, que viveu por volta do ano 200, foi um deles.
Pense em todos os textos da Escritura que você teria que convenientemente ignorar para poder negar a verdadeira humanidade de Jesus. Nada de bebê nascido de Maria. Nada de um ser humano cansado e faminto. Nada de "servo sofredor". Nada de morte agonizante no Calvário.
Talvez ninguém tenha entendido melhor a necessidade da humanidade de Jesus do que o autor de Hebreus, que declara: "convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus" (Hb 2.17). Como ficaríamos totalmente desesperançados se Jesus não fosse completamente humano!
Tertuliano, Inácio, Irineu, Hipólito e outros pais da igreja primitiva, todos ajudaram a igreja a permanecer biblicamente fiel, e contribuíram para o desenvolvimento de um cristianismo ortodoxo nestes cruciais primeiros séculos.
Confronto em Niceia
Outro desafio surgiu nas primeiras décadas dos anos 300. Tudo começou com o ensino de um presbítero da cidade de Alexandria chamado Ário. Terei que ser um pouco técnico agora. A questão gira em torno de três palavras sobre a relação de Deus Pai com Deus Filho. O ensino bíblico ortodoxo afirma a visão de homoousios. Esta não é uma palavra que você lê todos os dias. Ousios é a palavra grega que significa "essência". O equivalente latino é substantia, que se traduz diretamente como "substância". A primeira parte da palavra grega composta homoousios é homo, que significa "o mesmo" ou "idêntico". Assim, esta palavra significa que Jesus é da mesma substância do Pai, que Jesus é igual ao Pai. Esta palavra foi usada para expressar a plena divindade de Cristo. Jesus Cristo é plenamente Deus.
A segunda palavra é homoiousios. Homoi significa "semelhante". Este ponto de vista sustenta que Jesus é superior aos seres humanos, mas não igual ao Pai. Ele é de uma substância similar (mas não a mesma substância) à do Pai. A terceira palavra é heteroousios; esta é ainda pior. Ela considera Jesus como sendo de uma substância totalmente diferente.
Embora Ário provavelmente defendesse heteroousios, ele tendia a ser um pouco mais sutil e enganoso, falando como se defendesse homoiousios. E isso foi o cerne do debate em Niceia: uma letra, o i. A essência ou substância de Jesus é homo, exatamente a mesma do Pai? Ou é homoi, apenas semelhante à do Pai?
Os bispos em Niceia concluíram que apenas homoousios se colocava à altura do padrão do ensino bíblico. O Credo Niceno declara que Jesus é “verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai”.
Esse credo não está descobrindo novas bases. Longe disso, resume o enorme volume de material bíblico a respeito da pessoa de Cristo. O autor de Hebreus começa declarando: "Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser” [de Deus] (Hb 1.3). Paulo diz bem diretamente que em Jesus "habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9).
O Credo Niceno é um excelente exemplo de teologia sistemática em seu ápice. A teologia sistemática visa organizar e resumir, e não adicionar ou desvirtuar o ensino bíblico. Teólogos sistemáticos, então, ensinam esta doutrina à igreja. Esses bispos das igrejas primitivas eram teólogos sistemáticos. O credo que os bispos elaboraram em Niceia foi seu presente para a Igreja.
No centro da vida da igreja está a adoração. E no centro de nossa adoração está Cristo. Todo cristão deve se perguntar: a quem eu adoro? Quem é esse Cristo no centro da minha adoração? O Credo Niceno nos dá uma resposta biblicamente rica e verdadeira.
Após o Credo Niceno, contudo, surgiu um contingente de bispos ditos arianos. Estes bispos ganharam o favor dos filhos de Constantino, que mais tarde se tornaram imperadores. Parece ser um caso clássico de “toma lá, dá cá”. Os bispos promoveram os imperadores e os imperadores protegeram os bispos e usaram o poder da coroa para esmagar a oposição. Uma dessas vozes adversárias veio de um dos verdadeiros heróis da igreja primitiva, Atanásio de Alexandria.
Athanasius Contra Mundum
Você pode já ter ouvido a expressão Athanasius contra mundum, que significa simplesmente "Atanásio contra o mundo". E assim ele estava. Atanásio passou mais tempo exilado de seu cargo de bispo de Alexandria do que no exercício de seu posto. Além de ousado, ele também se destacava em aproveitar ao máximo uma situação difícil. Ele usou esse tempo no exílio para escrever contra os bispos arianos. Atanásio trabalhou toda a sua vida na luta contra uma letra, lutando por homoousios contra homoiousios. Mas é essa pequena letra, esse pequeno i no meio, que faz toda a diferença do mundo.
Através do trabalho de Atanásio e também de uma mudança do cenário político, um concílio foi convocado em Constantinopla, em 381. Lá, os bispos afirmaram o Credo Niceno, e os bispos arianos foram expulsos da igreja.
Depois de Niceia
Novas controvérsias surgiriam nos anos 400. Visões heréticas surgiram sobre como as naturezas divina e humana de Cristo estão unidas em uma só pessoa. A igreja abordaria essa questão em Calcedônia em 451, resultando no Credo Calcedoniano. Este credo dá à igreja o maravilhoso ensinamento da união hipostática de Cristo: que Cristo é duas naturezas em uma pessoa, que ele é ao mesmo tempo totalmente Deus e totalmente humano.
Apesar desses credos convincentes e persuasivos, estas visões heréticas de Cristo têm persistido ao longo dos séculos. John Quincy Adams [1] era mais teologicamente ortodoxo que seu pai, John Adams [2]. Como um deísta, o ancião John Adams reverenciava Jesus, mas não chegava a reconhecê-lo como Deus. John Quincy Adams disse certa vez ao pai, em uma carta, que a relação da visão que seu pai tinha de Cristo com a verdadeira visão de Cristo era como a de uma vela barata em relação ao sol; nem sequer se comparavam.
Em 1923, J. Gresham Machen [3] enfrentou falsos ensinamentos sobre Cristo. Certa vez, Machen afirmou, espirituosa, mas assertivamente, que qualquer visão de Cristo que o tem como menos que infinito é infinitamente menor do que a visão real.
Machen, John Quincy Adams, Atanásio, e uma miríade de outros nos ajudaram a ver em primeiro lugar o que devemos acreditar a respeito de Cristo, e por que isso faz toda a diferença.
Seríamos ingênuos se pensássemos que a geração atual e a próxima adotarão automaticamente uma cristologia ortodoxa. Os credos Niceno e Calcedoniano têm sustentado a igreja através dos séculos, resumindo o ensino bíblico. Os sermões e livros dos primeiros pais da igreja guiaram os cristãos primitivos em sua teologia e adoração. Nós, também, temos a obrigação de responder à pergunta crucial que Cristo fez aos discípulos: "Quem dizeis que eu sou"? Nós, também, temos a obrigação de ajudar os outros a responder com fidelidade bíblica e precisão no evangelho. Qualquer coisa a menos é infinitamente menos.
Notas:
[1] NT: John Quincy Adams foi o quinto presidente dos Estados Unidos, entre 1825 e 1829.
[2] NT: John Adams foi o segundo presidente dos Estados Unidos, entre 1791 e 1801.
[3] NT: J. Gresham Machen foi professor do Seminário de Princeton e mais tarde ajudou a fundar o Westminster Theological Seminary, sendo um importante nome na luta contra o liberalismo teológico no início do século XX.
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
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AutorStephen Nichols
O Dr. Stephen Nichols é o presidente do Reformation Bible College, executivo acadêmico chefe do Ministério Ligonier, apresentador do Podcast 5...
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Cristologia Ortodoxa: Importância (1/5)
Keith Mathison04 de Abril de 2016 - Teologia
"Quem dizeis que eu sou?"
Essa é a pergunta que Jesus fez aos discípulos antes de iniciar a última parte de seu ministério terreno.
A resposta de Pedro à pergunta é bem conhecida: "Tu és o Cristo". Pedro reconheceu que Jesus era o Messias esperado, o Cristo prometido ao longo de todo o Antigo Testamento. Obviamente, Pedro ainda não era capaz de conciliar em sua própria mente como o Messias prometido também poderia sofrer e morrer. Ele ainda tinha que perceber que a figura exaltada de Daniel 7 era a mesma figura sofredora de Isaías 53. Essa verdade só se tornaria totalmente clara para ele depois da ressurreição e ascensão de Cristo.
Uma coisa que os discípulos reconheceram rapidamente foi que Jesus não era um homem comum. Eles o viram fazer e dizer coisas que indicavam que ele era completa e verdadeiramente humano. Ele teve fome e sede. Ele ficou cansado e dormiu. Ele sofreu e morreu. Porém, eles também o viram fazer coisas que só Deus poderia fazer. Ouviram-no dizer coisas que só Deus deveria dizer. Com Tomé, eles foram levados a confessar que Jesus é Senhor e que Jesus é Deus (Jo 20.28).
Para os primeiros discípulos, que eram judeus impregnados do Antigo Testamento, isso levantava questões importantes. Todo judeu fora ensinado desde a infância a confissão de fé fundamental: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda tua alma e de toda a tua força” (Dt 6.4-5).
Há apenas um Deus. No entanto, este Jesus estava fazendo e dizendo coisas que só Deus pode fazer ou dizer. E ele estava fazendo e dizendo coisas que são apropriadas apenas a seres humanos.
Como conciliar isso?
Os fariseus conciliaram concluindo que Jesus era um blasfemo mentiroso, e o condenaram. Seus seguidores, por outro lado, conciliaram concluindo que ele era quem disse que era: o Verbo que estava com Deus e que era Deus (Jo 1.1), o Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14).
Contudo, não demorou muito até que surgissem mestres que conciliassem os diversos fatos de formas que distorcessem ou destruíssem a verdade. Ainda antes que o Novo Testamento fosse concluído, por exemplo, havia aqueles que negavam que Cristo veio em carne (1Jo 4.3). Quão importante é a cristologia? Bem, João refere-se a este erro cristológico em particular como "o espírito do anticristo". Não é possível ficar muito mais grave do que isso.
Nos séculos após a conclusão do Novo Testamento, muitos tentaram explicar como podemos confessar que Deus é um só e também confessar que Jesus é Deus. Muitos tentaram explicar como esse que confessamos ser Deus poderia sofrer e morrer, considerando o fato de que Deus não pode sofrer e morrer. Muitos tentaram explicar como esse tal podia apresentar características tanto de Deus como de homem.
A luta para encontrar a resposta bíblica para essas e outras questões é a história dos debates trinitários e cristológicos.
As respostas dadas a essas perguntas determinam se alguém está adorando o Deus trino revelado nas Escrituras ou um ídolo da própria imaginação. Tais respostas determinam se alguém é um seguidor de Jesus Cristo, o Filho de Deus, ou um seguidor de um dos muitos falsos cristos.
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
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Dr. Keith Mathison é editor associado da Tabletalk magazine, deão e professor de Teologia Reformada na Reformation Bible College em...
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Cristologia Ortodoxa: Pentateuco (2/5)
Keith Mathison05 de Abril de 2016 - Jesus Cristo
Muitas pessoas, quando ouvem o nome de Jesus Cristo, supõem que Cristo é o sobrenome de Jesus, assim como Silva, Santos ou Pereira. Porém, a palavra Cristo, em português, é simplesmente uma transliteração da palavra grega christos, que foi usada na tradução grega do Antigo Testamento hebraico para traduzir a palavra Mashiach ou Messias. Assim, quando ouvimos o nome “Jesus Cristo”, não devemos pensar em Cristo como um sobrenome, mas como um título. Quando dizemos “Jesus Cristo”, estamos dizendo “Jesus Messias”.
Saber isso nos ajuda a entender como podemos falar de uma “cristologia” do Antigo Testamento, apesar de o próprio Jesus Cristo não aparecer em carne antes dos Evangelhos do Novo Testamento. Podemos falar de uma cristologia do Antigo Testamento porque ele contém numerosas promessas, profecias, sombras e tipos que apontam adiante, para a vinda do Messias, para a vinda do Cristo. Não vamos olhar todos esses textos, mas vamos nos concentrar em alguns dos mais importantes. Se quisermos compreender quem esse Messias é, devemos ter alguma compreensão desses textos.
Gênesis 3
O primeiro indício de um tema messiânico no Antigo Testamento vem nos desdobramentos trágicos da queda. Adão e Eva confiaram na palavra da serpente ao invés da Palavra de Deus, e a resposta de Deus é rápida. Depois de confrontar o homem e a mulher, e ambos tentarem transferir a culpa (Gn 3.8-13), Deus pronuncia seu julgamento em primeiro lugar sobre a serpente, em seguida, sobre a mulher, e, finalmente, sobre o homem (vv. 14-19). Deus pronuncia uma maldição sobre a serpente (v. 14), mas no processo de pronunciar essa maldição, faz uma promessa que dá à humanidade motivo para ter esperança. A queda do homem resultou na necessidade de redenção divina, uma necessidade de que Deus imediatamente trata. À serpente ele diz:
“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (v.15).
Este verso tem sido chamado muitas vezes de “protoevangelho”, ou de primeiro evangelho. É a graça e a misericórdia em meio à rebelião. Deus promete que haverá uma longa batalha entre o bem e o mal, com a descendência (ou semente) da mulher finalmente triunfando. Como o restante do Antigo e Novo Testamentos tornará claro, esse triunfo chegará através e na pessoa do Messias, Jesus Cristo.
A Aliança Abraâmica
O fio condutor da história patriarcal (Gn 12-50) são as graciosas promessas de bênçãos que Deus faz, promessas que são dadas primeiro a Abraão, depois a Isaque e, por fim, a Jacó. Nunca é demais enfatizar a importância dessas promessas para a compreensão do restante da Escritura.
O chamado de Abrão em Gênesis 12.1-9 é um ponto crucial na história da redenção. Enquanto Gênesis 1-11 concentra-se principalmente nas terríveis consequências do pecado, as promessas de Deus a Abrão em Gênesis 12 concentram-se na esperança de redenção, da restauração da bênção e da reconciliação com Deus. Deus vai lidar com o problema do pecado e do mal, e estabelecerá seu reino na Terra. A forma com que ele fará isso começa a ser revelada em suas promessas a Abrão.
A seção chave de Gênesis 12.1-9 é o chamado explícito de Deus a Abrão encontrado nos versos 1-3:
“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”.
O tema do chamado de Deus a Abrão é evidente na repetição quíntupla dos termos-chave abençoar e bênção. O pecado do homem resultou na maldição divina (Gn 3.14,17; 4.11; 5.29; 9.25), mas aqui Deus promete formar um povo para si e restaurar seus propósitos originais de bênção para a humanidade (cf. Gn 1.28). Abrão será de alguma forma o mediador dessa bênção restaurada.
O chamado de Deus a Abrão contém quatro promessas básicas: (1) descendência, (2) terra, (3) a bênção do próprio Abrão e (4) a benção das nações através de Abrão. A promessa de bênção às nações da terra é fundamental. A bênção de todas as famílias da terra é o propósito principal por trás do chamado de Deus a Abrão. Sua vocação e as promessas que lhe são dadas não são um fim em si mesmas. A Abrão são prometidas descendência, uma terra e bênção pessoal a fim de que ele possa ser o mediador da bênção de Deus a todas as famílias da terra. Como o restante do Antigo Testamento tornará claro, esta bênção virá através do estabelecimento do reino de Deus, sob o Messias de Deus.
Gênesis 49
Ao se aproximar de sua morte, Jacó chama seus filhos para junto de si para anunciar suas últimas palavras a respeito deles (Gn 49). Jacó diz a seus filhos, neste momento: “Ajuntai-vos, e eu vos farei saber o que vos há de acontecer nos dias vindouros” (v. 1). O significado do termo “dias vindouros” ou “últimos dias” (cf. Nm 24.14), deve ser determinado pelo seu contexto. Em geral, ele fala de um tempo futuro indeterminado. Jacó fala com todos os seus filhos, mas suas palavras para Judá são as mais significativas para a cristologia do Antigo Testamento. As palavras de Jacó para Judá antecipam a ascensão do rei davídico, e muito mais.
Em Gênesis 49.10, Jacó diz: “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos”. Este versículo é considerado por alguns como a primeira profecia messiânica explícita no Antigo Testamento. A tradução precisa das palavras “até que venha Siló” é debatida por causa da ambiguidade do hebraico, mas há um consenso geral de que a profecia está apontando para o surgimento da monarquia davídica. O ponto principal das palavras de Jacó a Judá é que o cetro, um símbolo da realeza, pertenceria à tribo de Judá até que viesse aquele a quem realmente pertence a posição real. No Antigo Testamento, esta profecia é inicialmente cumprida por Davi. No Novo Testamento, ela é total e finalmente cumprida por Jesus Cristo, filho de Davi e Leão da tribo de Judá (cf. Mt 1.1; Ap 5.5).
Êxodo
Em sua primeira epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo diz aos seus leitores que “Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado” (1Co 5.7). Nós encontramos o pano de fundo para essa expressão no livro do Êxodo. Em Êxodo 12, Deus dá a Moisés as instruções para a cerimônia da Páscoa, que distinguirá Israel do Egito. Deus diz a Moisés que esse mês seria agora o primeiro mês do ano para Israel (v. 2). Essa noite celebrará o nascimento de Israel como uma nação. Cada família deve tomar um cordeiro sem defeito e mantê-lo até o dia catorze do mês, quando então deve ser imolado (v. 3-6). O sangue do cordeiro deve então ser colocado nos umbrais e na verga da porta das casas, e as famílias das casas devem comer a carne do cordeiro assada (v. 7-11). Deus diz a Moisés que naquela noite ele passará pelo Egito e ferirá os primogênitos dos egípcios, mas passará por cima das casas marcadas com o sinal do sangue do cordeiro (v. 12-13). O cordeiro da Páscoa torna-se um substituto para Israel, o filho primogênito de Deus (cf. 4.22). Como tal, é um tipo do Messias vindouro, que também morre como um substituto de seu povo.
Levítico
A relevância messiânica do Levítico pode não parecer evidente à primeira vista, mas quando lembramos que o Novo Testamento descreve Cristo como nosso sumo sacerdote (Hb 8-9), e como sacrifício definitivo pelo pecado (Hb 10), a relevância do Levítico se torna mais evidente. A santidade requerida do povo de Deus é elaborada no livro de Levítico, onde as leis a respeito dos sacrifícios e do sacerdócio são dadas em detalhe. Sacrifícios forneciam um meio para a purificação do povo de Israel quando cometiam pecado, e os sacerdotes que ofereciam esses sacrifícios se colocavam como mediadores entre Deus e seu povo. Tanto o sacerdócio quanto os sacrifícios apontavam para uma realidade maior que viria na pessoa e obra de Jesus, o Messias.
Números 24
Uma das mais intrigantes profecias messiânicas é encontrada em Números 22-24, na história de Balaão. A esta altura da história, Israel está acampado nas planícies de Moabe e Balaque, rei de Moabe, está tomado de medo (22.1-4). Como resultado, ele convoca Balaão, um profeta pagão da Mesopotâmia, para amaldiçoar os israelitas (v. 5-8). Deus, porém, não permite que Balaão amaldiçoe Israel, mas ordena-lhe que ao invés disso abençoe Israel. Nos capítulos 23-24, para desgosto de Balaque, Balaão profere quatro oráculos de bênção sobre Israel. O quarto oráculo é particularmente notável. Balaão prevê a vinda de um rei; mas essa vinda não será imediata: “Vê-lo-ei, mas não agora; contemplá-lo-ei, mas não de perto” (24.17). O rei vindouro é descrito como uma estrela que procede de Jacó e um cetro que sobe de Israel (v. 17; cf. Gn 49.10). Esse rei derrotará completamente seus inimigos (v. 18). Essa profecia encontraria seu cumprimento inicial no reinado de Davi, mas seu cumprimento final aguardaria a vinda do Messias.
Deuteronômio 18
O estabelecimento do ofício profético é o assunto de Deuteronômio 18.15-22. Depois de proibir determinados caminhos para tentar conhecer a vontade de Deus (v. 9-14), Moisés passa a explicar a natureza da profecia, o meio legítimo pelo qual Deus iria comunicar a sua palavra a seu povo (v. 15-22). Ele declara ao povo: “O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás” (v. 15). Aqui, Deus provê a continuação do ofício profético após a morte de Moisés.
É importante lembrar, no entanto, que Moisés foi único entre os profetas, enquanto ministro da aliança de Deus (Nm 12.6-8; Dt 34.10–12). Como veremos, a mensagem dos profetas posteriores estava fundamentada na aliança mediada por Moisés. Jeffrey Niehaus explica:
“O ministério profético era de dois tipos: o profeta como mediador da aliança (apenas Moisés); e o profeta como mensageiro de ações judiciais pactuais (profetas posteriores). Deus havia levantado o profeta Moisés para mediar a sua aliança com Israel; levantaria também outros profetas para levarem processos judiciais pactuais, isso é, para chamar o povo à obediência à aliança, ou para anunciar punições pactuais decorrentes de sua desobediência”.
A promessa que Deus levantaria outro profeta como Moisés foi posteriormente entendida pelos israelitas com uma profecia messiânica (Jo 1.21,45; 6.14; 7.40). Em última análise, essa promessa profética aponta para Jesus, o único mediador da nova aliança (cf. At 3.20-22).
Conclusão
Este breve exame de determinados textos messiânicos no Pentateuco não pretende, de forma alguma, ser definitivo. Jesus indica que a totalidade do Antigo Testamento se refere a ele (Lucas 24.27). Nós apenas arranhamos a superfície. Em nosso próximo texto, vamos olhar para várias profecias e promessas nos livros históricos, nos Salmos e nos Profetas.
O Senhor disse ao meu Senhor:
Assenta-te à minha direita,
Até que eu faça de teus inimigos estrado,
Onde apoie teus pés.
O Senhor de Sião enviará
a vara de seu grande poder,
Em meio a todos os teus inimigos
Tu serás o governador.
Um povo disposto, em teu dia
De poder virá a ti,
Em santa beleza desde o ventre de manhã;
sua mocidade será como o orvalho.
O próprio Senhor fez um juramento,
e dele nunca se arrependerá,
Da ordem de Melquisedeque
Tu és sacerdote para sempre.
O glorioso e poderoso Senhor,
que senta à tua mão direita,
Irá, em seu dia de ira, ferir
os reis que lhe resistirem.
Ele julgará entre os pagãos,
ele irá de cadáveres
lugares encher: sobre muitas terras
ele ferirá muitas cabeças.
O riacho que corre no caminho
com bebida o suprirá;
E, por esta causa, em triunfo,
sua cabeça ele levantará.
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Cristologia Ortodoxa: Livros Históricos e Salmos (3/5)
Keith Mathison06 de Abril de 2016 - Artes e Literatura
Em nosso estudo da doutrina de Cristo, já olhamos para o Pentateuco. Passaremos agora a diversos textos significativos encontrados nos livros históricos e nos Salmos. Os livros históricos narram a história da ascensão e queda de Israel, bem como o desenvolvimento da monarquia israelita. Davi torna-se o modelo de rei e a aliança de Deus com ele aponta para a vinda de um rei ainda superior. Nos Salmos de Israel, ouvimos repetidamente as esperanças inspiradas de Israel pelo rei messiânico vindouro.
2Samuel 7
Um dos capítulos mais importantes para a compreensão da cristologia bíblica nos livros históricos é 2 Samuel 7. Este capítulo registra os eventos em torno do estabelecimento da aliança davídica. Davi conquistara Jerusalém e trouxera a arca para a cidade, e Deus lhe dera descanso de todos os seus inimigos (2Sm 7.1). Neste ponto, Davi chama o profeta Natã e manifesta seu desejo de construir uma "casa" (hebraico: bayit) para Deus, um templo permanente em vez de uma tenda. A resposta de Deus a Davi se encontra em 2 Samuel 7.4-16.
Deus lembra a Davi que, desde o tempo que trouxera a Israel do Egito, ele andava com o povo na tenda (2Sm 7.4–7). Ele lembra a Davi que tem sido com ele onde quer que fosse, tendo derrotado os seus inimigos (v. 8-9a). Ele então promete a Davi que lhe estabelecerá como um grande nome (v. 9b, NVI). Deus declara que dará a Israel descanso de seus inimigos e que fará uma casa para Davi (v. 10-11), e promete que estabelecerá o reino da descendência de Davi (v. 12). Ele promete que a descendência de Davi edificará uma casa para Deus, e promete que estabelecerá o reino de Davi para sempre (v. 13).
Deus promete: "Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho" (v. 14a). Deus alerta que disciplinará a descendência de Davi, se ela vier a transgredir, mas também promete que a sua misericórdia não se apartará de Davi, como fora tirada de Saul (v. 14b-15). Finalmente, Deus promete a Davi: "Porém a tua casa e teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre" (v. 16). A oração de gratidão de Davi se encontra em 2 Samuel 7.18-29. Nesta oração, ele se refere à promessa de Deus como "instruções para todos os homens", indicando que essa aliança envolverá o destino de toda a humanidade (v. 19).
A aliança davídica havia sido antecipada na aliança de Deus com Abraão (cf. Gn 17.6). A promessa divina de bênção para as nações seria realizada através do rei davídico (cf. 2Sm 7.19; Sl 72.8–11,17). A aliança davídica também havia sido antecipada na aliança mosaica (cf. Dt 17.14–20). O rei davídico seria a expressão do governo teocrático de Deus em Israel. Ele deveria refletir o justo governo do Rei divino, e também deveria liderar Israel na fiel observância da lei mosaica. A aliança abraâmica prometera um reino e um povo para o reino de Deus. A aliança mosaica providenciou a lei do reino; a aliança davídica fornece agora um rei humano para o reino.
Em Gênesis 49.10, Jacó profetizara que o cetro pertenceria à tribo de Judá, até a vinda daquele a quem realmente pertencia esse status real. Essa profecia encontra seu cumprimento inicial no estabelecimento da realeza davídica. Porém, a aliança davídica não olha apenas para o cumprimento das profecias do passado, mas também para a frente, lançando as bases para as esperanças escatológicas de Israel. A aliança davídica se torna o fundamento para as profecias messiânicas dos profetas posteriores (cf. Am 9.11; Is 9.6–7). As promessas que ainda não haviam se cumprido, o seriam no futuro (cf. Is 7.13-25; 16.5; 55.3; Jr 30.8; 33.14-26; Ez 34.20–24; 37.24–25; Os 3.5; Zc 6.12–13; 12.7–8). Em última análise, essas esperanças messiânicas seriam cumpridas em Jesus, o verdadeiro Filho de Davi (cf. Mt 1.1; At 13.22–23). Jesus é o Filho de Davi que construirá uma "casa" para Deus, um novo templo feito sem mãos. Ele é o Filho de Davi cujo reino está estabelecido para sempre.
Salmo 2
O Salmo 2 é um dos chamados salmos reais, ou de realeza. Como um dos salmos messiânicos, ele antecipa o pleno estabelecimento do reino do Filho de Deus. Ele encoraja o povo a confiar em Deus e a aguardar um tempo em que todos os inimigos de Deus serão julgados e a justiça será estabelecida. O salmo contém quatro subseções: a rebelião das nações (v. 1-3); a resposta de Deus (v. 4-6); o decreto de Deus (v. 7-9) e o domínio do rei (v. 10-12).
Os versos 7-9 baseiam-se nas promessas encontradas na aliança davídica, principalmente na promessa de Deus a Davi: "Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho" (2Sm 7.14). Estes versos antecipam a extensão do reino do Messias até as extremidades da terra. No Novo Testamento, Deus Pai usa palavras tomadas desta seção do Salmo 2 (e de Isaías 42.1) para declarar que Jesus é seu Filho (cf. Mt 3.17; 17.5). Este salmo nos ensina sobre o Messias; nos ensina sobre Jesus.
Salmo 45
O Salmo 45 é outra das canções de realeza. Ele é atribuído aos filhos de Corá e dirigido ao rei davídico. Os cinco primeiros versos são expressões diretas de honra e louvor ao rei. Nos versos 6-7, no entanto, o salmista parece estar olhando para além do rei davídico atual.
O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;cetro de equidade é o cetro do teu reino.Amas a justiça e odeias a iniquidade;por isso Deus, o teu Deus, te ungiucom o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros.
As palavras hebraicas traduzidas como "O teu trono, ó Deus" foram traduzidas de diversas maneiras. Elas foram traduzidas como “O teu trono, ó Deus” (p. ex., ARA, NVI; em inglês KJV, NIV, NASB, NRSV, ESV). Também foram traduzidas como: "Teu trono é como o trono de Deus" (p. ex., NEB em inglês). Ou ainda: "Teu trono é de Deus" (por exemplo, BJ, EP; em inglês, RSV). A Septuaginta dá suporte à tradução "O teu trono, ó Deus". A citação do Novo Testamento deste verso da Septuaginta também considera esta tradução (cf. Hb 1.8).
Esta tradução significa que o rei é tratado aqui como "Deus", e seu trono é identificado com o trono de Deus. No versículo 7, contudo, o rei davídico se distingue de Deus: "Deus, o teu Deus, te ungiu". Como Derek Kidner explica, este tipo de linguagem paradoxal só pode ser compreendida à luz da encarnação de Cristo: "É um exemplo da linguagem do Antigo Testamento que irrompe as suas barreiras, para exigir um cumprimento mais do que humano".
Salmo 110
O Salmo 110 é outro dos salmos de realeza. É um dos salmos mais frequentemente citados em todo o Novo Testamento (cf. Mt 22.44; 26.64; Mc 12.36; 14.62; 16.19; Lc 20.42–44; 22.69; At 2.34–35; Rm 8.34; 1Co 15.25; Ef 1.20; Cl 3.1; Hb 1.3,13; 5.6; 7.17,21; 8.1; 10.12–13; 12.2). De acordo com o título, Davi foi seu autor, um fato que é crucial para a sua interpretação dentro do Novo Testamento.
Disse o SENHOR ao meu Senhor:Assenta-te à minha direita,até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés (v. 1).
Essas linhas introdutórias são importantes por causa do que dizem sobre o rei messiânico. As primeiras palavras do verso após o título são ne'um yhwh, indicando que este é um oráculo do Senhor. As palavras la'doni são traduzidas por "ao meu Senhor". É significativo que Davi fale do rei neste salmo como "meu Senhor". Outra tradução dessas palavras é "meu mestre". Em suma, o próprio Davi expressa submissão ao rei que deve sentar-se à direita de Deus. A autoridade deste rei é derivada do Senhor, que promete estender seu governo colocando todos os seus inimigos debaixo dos seus pés (cf. Sl 2.8–9). A metáfora do "estrado para os pés" (NVI) indica o controle absoluto.
O SENHOR enviará de Sião o cetro do seu poder,dizendo: Domina entre os teus inimigos.Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo,no dia do teu poder; com santos ornamentos,como o orvalho emergindo da aurora,serão os teus jovens. (v. 2-3)
A autoridade do rei messiânico será estendida até que todos os seus inimigos sejam forçados a reconhecer o seu domínio. A interpretação do versículo 3 é difícil, mas parece indicar que o povo do rei voluntariamente se consagrará para servi-lo na batalha.
O SENHOR jurouE não se arrependerá:Tu és sacerdote para sempre,segundo a ordem de Melquisedeque. (v. 4)
Dizer que o Senhor "jurou" indica a existência de um juramento solene. Neste caso, o juramento se refere às promessas da aliança que ele fez a Davi (cf. 2Sm 7.13). Ele declara: "Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". Melquisedeque foi um rei-sacerdote sobre a cidade de Salém (cf. Gn 14.18). Como ele, o rei davídico era um rei sacerdotal (cf. 2Sm 6.14, 17–18; 1Rs 8.14, 55, 62–64). A união perfeita entre sacerdócio e realeza é definitivamente encontrada apenas em Jesus (cf. Hb 5.1–10; 7.1–28).
O Senhor, à tua direita,no dia de sua ira, esmagará os reis.Ele julga entre as nações;enche-as de cadáveres;esmagará cabeças por toda a terra.De caminho, bebe na torrenteE passa de cabeça erguida. (v. 5-7)
Os versos finais do Salmo 110 declaram a vitória vindoura do rei messiânico. Hans-Joachim Kraus prestativamente resume o significado das declarações deste salmo sobre o rei ungido: "Em resumo, quatro pontos devem ser especialmente enfatizados: (1) O próprio Senhor exalta o rei e coloca-o à sua direita, nomeia e capacita-o como co-regente; (2) o entronizado é considerado como sendo de nascimento celeste; (3) ele é declarado como sacerdote (segundo a ordem de Melquisedeque); (4) por meio dele e de sua presença, o Senhor, juiz do mundo e herói de guerra, conquista todos os inimigos". Os autores do Novo Testamento reconheceram apenas uma figura que cumpriu tudo o que este salmo retratava, a saber, Jesus de Nazaré. Este salmo se tornaria central na proclamação da sua exaltação.
Conclusão
Estes são apenas um punhado dos muitos textos nos livros históricos e nos Salmos que lançam luz sobre a pessoa e a obra do Messias. Em nosso próximo artigo, continuaremos a examinar alguns dos mais ricos textos messiânicos do Antigo Testamento, aqueles encontrados nos escritos dos profetas.
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
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AutorKeith Mathison
Dr. Keith Mathison é editor associado da Tabletalk magazine, deão e professor de Teologia Reformada na Reformation Bible College em...
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Cristologia Ortodoxa: Profetas (4/5)
Keith Mathison07 de Abril de 2016 - Teologia
Elaborando sobre o fundamento da aliança estabelecida no Pentateuco, os profetas pré-exílicos lamentaram que Israel estivesse quebrando a aliança de Deus e o chamaram ao arrependimento. Eles advertiram o povo que, se não se arrependessem, Deus derramaria sobre eles as maldições da aliança, incluindo a maldição extrema do exílio. No entanto, mesmo no meio de suas terríveis advertências, o julgamento não era a palavra final. Embora já antecipem que suas advertências não seriam ouvidas e que o exílio seria o resultado, eles também olhavam para além do exílio com esperança, para um período de restauração.
Os profetas do exílio receberam a tarefa de explicar ao povo por que um desastre como esse tinha acontecido aos escolhidos de Deus. Os profetas do exílio apontavam as repetidas violações da aliança. O exílio aconteceu porque Israel pecou contra Deus. Contudo, o julgamento também não é a palavra final dos profetas do exílio; ainda resta esperança. Os profetas do exílio também ansiavam por restauração além do exílio. Finalmente, os profetas pós-exílicos também têm que explicar ao povo por que a restauração não chegou em sua plenitude. Eles também convocam o povo à fidelidade à aliança, lembrando Israel que a persistência na desobediência resultará em julgamento em vez de bênção. Eles mantêm a expectativa de restauração, da vinda do Messias, e do estabelecimento de seu reino em sua plenitude.
Neste artigo, vamos olhar para várias passagens dos profetas que nos oferecem grande compreensão sobre a pessoa e obra do Messias, o Cristo.
Isaías 6-12
O tema unificador de Isaías 6-12 é o rei messiânico vindouro. Os capítulos 6 e 12 fornecem a moldura para toda a subseção, com o capítulo 6 falando do chamado e purificação de Isaías, e o capítulo 12 registrando a canção de salvação cantada pela comunidade dos salvos. A subseção começa com a morte do rei Uzias, a personificação da casa de Davi. Os capítulos 7-11 então concentram-se na vinda de um monarca santo e divino. Os dois reinos, o divino e o davídico, acabarão por se unir em um Rei messiânico da casa de Davi (cf. 7.14; 9.6–7; 11.1–10).
O contexto histórico dos capítulos 7-12 é a ameaça a Judá causada pela aliança entre Síria e Israel, em 735 a.C. Esta coligação anti-assíria invadiu Judá, mas não foi capaz de dominá-lo (2Rs 16.5; cf. 2Cr 28.5–8). Em sua segunda invasão de Judá, a Síria e Israel determinaram substituir o rei de Judá, Acaz, por um rei de sua própria escolha (7.6; cf. 2Cr 28.17). Como Acaz se sentiu tentado a recorrer à Assíria para obter ajuda (cf. 2Rs 16.7-9), Isaías lhe diz que ele não precisava temer a Israel e a Síria, e que ele deveria confiar em Deus (7.3-9). A questão, como Alec Motyer explica, é clara: "Acaz vai buscar a salvação pelas obras (política, alianças) ou por simples confiança nas promessas divinas?"
É nesse contexto que o Senhor oferece a Acaz um sinal de sua confiabilidade (7.10-11). Acaz finge piedade e recusa o sinal (v. 12-13). Aparentemente, ele já decidiu colocar a sua confiança na Assíria, mas o Senhor promete um sinal mesmo assim, nos versos 14-17:
“Portanto, o SENHOR mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel. Ele comerá manteiga e mel quando ele souber desprezar o mal e escolher o bem. Na verdade, antes que este menino saiba desprezar o mal e escolher o bem, será desamparada a terra ante cujos dois reis tu tremes de medo. Mas o SENHOR fará vir sobre ti, sobre o teu povo e sobre a casa de teu pai, por intermédio do rei da Assíria, dias tais, quais nunca vieram desde o dia em que Efraim se separou de Judá”.
Por causa da recusa de Acaz em confiar em Deus, o sinal não é mais um sinal de convite à fé. É um sinal confirmando o desagrado de Deus.
O "tu" a quem o sinal será dado é plural no original, sugerindo que o sinal deve ser dado à casa de Davi (cf. v. 13). Também deve ser observado que o tempo do nascimento do Emanuel não é explicitamente indicado nesse texto. O que as palavras de Isaías indicam é que, mesmo que Emanuel nasça em breve, a ameaça existente oferecida por Israel e pela Síria terá passado antes que a criança seja sequer capaz de percebê-la. De acordo com Mateus 1.18-23, o nascimento de Jesus a Maria cumpriu essa profecia.
Depois de declarar que a nação em quem Judá confiava para a libertação se voltaria contra Judá (8.5-10), e depois de convocar Judá a confiar em Deus (8.11-22), Isaías novamente aponta para a vinda do Messias (9.1-7). Os versos 2-3 descrevem a alegria sem limites do povo. Esta alegria é devida à sua libertação da opressão (v. 4), e sua libertação da opressão é devida ao fim de toda guerra (v. 5). Mas como Deus acabará com a guerra? Ele fará isso através do nascimento de uma criança (v. 6-7):
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo e venha paz sem fim, sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isso”.
Esta profecia aguarda com expectativa o cumprimento do sinal de Emanuel com a vinda de Jesus (cf. Mt 1.18–23). Como Motyer explica: "A perfeição deste Rei é vista em suas qualificações para governar (Maravilhoso Conselheiro), em sua pessoa e poder (Deus Forte), em seu relacionamento com seus súditos (Pai da Eternidade) e na segurança que seu governo cria (Príncipe da Paz)". O reinado deste rei messiânico não terá fim. Ele será o rei final, que substituirá de uma vez por todas reis infiéis como Acaz. O propósito de Deus de estabelecer seu reino na terra será cumprido através deste Rei messiânico.
Isaías 52.13-53.12
Isaías 52.13 a 53.12 é o quarto dos chamados "Cânticos do Servo" no livro de Isaías (os três primeiros são encontrados em 42.1-4; 49.1-6; e 50.4-9). O sofrimento, que tinha sido sugerido nos Cânticos do Servo anteriores, é revelado como sendo o meio pelo qual este servo de Deus libertará o seu povo do pecado. Este cântico é dividido em cinco estrofes de três versos cada.
A primeira estrofe (52.13-15) começa com tríplice exaltação de Deus ao seu servo. Ele será "exaltado" e "elevado" e "mui sublime" (v. 13). Isto aponta para alguém que tem grande dignidade e honra, mas a exaltação neste primeiro verso é imediatamente seguida por uma descrição de espanto com o servo, causada por um grau de sofrimento tão grande que ele é quase irreconhecível como humano (v. 14). De alguma forma, o sofrimento do servo terá efeitos universais. Ele "causará admiração às nações" e reis se submeterão a ele, pois finalmente conhecerão e entenderão a verdade (v. 15).
A segunda estrofe (53.1-3) é a primeira de três a descreverem com mais detalhes o sofrimento e humilhação do servo. Ele é o "braço do SENHOR", aquele que é a salvação de Deus personificada (v. 1; cf. 52.10). Mas quem pode crer nisso (v. 1)? Ele é nascido e criado como qualquer outra criança humana, e não possui nada impressionante de se olhar (v. 2). Ele é um homem de dores, desprezado e rejeitado pelos homens (v. 3). O motivo de sua tristeza é explicado na terceira estrofe (53.4-6), que explica a natureza e o propósito do sofrimento do servo.
Em primeiro lugar, seu sofrimento é algo exclusivamente dele. Ele está sozinho. Ele toma sobre si nossas enfermidades e leva nossas dores (v. 4). Sobre ele está posta a iniquidade de nós todos (v. 6). Em segundo lugar, seu sofrimento é substitutivo por natureza. Ele é traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades, e é por suas pisaduras que somos curados (v. 5). Em terceiro lugar, o seu sofrimento é a vontade de Deus. É Deus quem coloca sobre o servo toda a nossa iniquidade e pecado (v. 6).
A quarta estrofe (53.7-9) descreve a aceitação voluntária da morte por parte do servo. Ele é comparado a um cordeiro levado ao matadouro ou uma ovelha levada a seus tosquiadores (v. 7), mas o que o distingue de um cordeiro ou uma ovelha e, portanto, de quaisquer sacrifícios de animais é que ele vai consciente e voluntariamente para a morte. Ele é "cortado da terra dos viventes" (v. 8). Em outras palavras, ele é executado. E sua morte é "por causa da transgressão do meu povo" (v. 8). Em outras palavras, sua morte é um sacrifício substitutivo. De sua morte, Isaías muda para uma descrição do seu sepultamento (v. 9). Este verso conclui enfatizando o fato de que o sofrimento do servo não é devido a qualquer pecado próprio; o servo mesmo está sem pecado.
A estrofe final (53.10-12) descreve o triunfo do servo. Aquele que sofreu, morreu e foi sepultado agora é descrito como alguém que está vivo. Foi a vontade do Senhor moer o seu servo, cujo sofrimento é descrito em termos de uma "oferta pelo pecado" (v. 10ab). Agora é a vontade do Senhor fazê-lo prosperar (v. 10c). A oferta do justo servo pelo pecado remove as iniquidades de seu povo e lhes estende sua própria justiça (v. 11). O servo "justificará a muitos".
A grande vitória do servo é resumida no versículo 12. Ele é aquele que derrama a sua alma na morte e leva sobre si o pecado de muitos. Em suma, o problema do pecado será resolvido através da morte substitutiva de um servo de Deus sem pecado. Esta é uma profecia gloriosa da obra redentora de Jesus.
Daniel 7
A visão registrada no sétimo capítulo de Daniel é central para o livro, e compreendê-la é crucial para entender o significado de um número de passagens do Novo Testamento que, sem ela, pareceriam obscuras. Daniel recebeu essa visão no primeiro ano de Belsazar (v. 1); logo, ela ocorreu algum tempo depois dos acontecimentos do capítulo 4, mas antes dos acontecimentos do capítulo 5. Na visão, Daniel vê os ventos do céu agitando o mar (v. 2). Ele observa quatro grandes animais surgirem do mar, cada um diferente do outro (v. 3). O primeiro animal é como um leão com asas de águia (v. 4). Suas asas são arrancadas e ele é posto em dois pés como um homem. O segundo animal é como um urso (v. 5). Ele se levanta de um lado e tem três costelas em sua boca. O terceiro animal é como um leopardo (v. 6), mas tem quatro asas e quatro cabeças. O quarto animal é quase indescritível (v. 7). É terrível e forte. Ele devora com os seus dentes de ferro e esmaga o que sobra com os seus pés. Ele tem também dez chifres. Enquanto Daniel observa os chifres, ele vê um pequeno chifre surgir entre os dez (v. 8). O chifre pequeno tem os olhos de um homem e uma boca que fala com insolência.
No restante da visão, Daniel testemunha a cena do julgamento divino no próprio trono de Deus. Equanto ele observa, o Ancião de Dias toma seu assento no trono (v. 9). Com dezenas de milhares diante de Deus, os livros são abertos e o tribunal assenta-se em julgamento (v. 10). Enquanto o pequeno chifre está falando, o quarto animal é morto e seu corpo entregue para ser queimado (v. 11). O domínio dos animais restantes é tirado, mas suas vidas são poupadas por um tempo (v. 12). Daniel então vê "um como o Filho do homem" vindo com as nuvens do céu até o Ancião de Dias (v. 13). Este como um filho do homem é apresentado diante do Ancião de Dias e lhe é dado "domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem" (v. 14a). O seu domínio é "domínio eterno, que não passará, e o seu um reino jamais será destruído" (v. 14b). No restante do capítulo, um ser angelical interpreta a visão de Daniel dando especial atenção ao quarto animal (vv. 15-28).
Os paralelos entre a visão do capítulo 7 e o sonho do capítulo 2 são óbvios. Em ambos os casos, uma imagem simbólica é usada para revelar uma sucessão de quatro reinos terrenos, que são julgados e seguidos por um reino eterno estabelecido por Deus. Há muito debate sobre a identidade dos quatro reinos. A visão tradicional é representada por João Calvino, que identifica os quatro animais como os impérios Babilônico, Medo-Persa, Grego e Romano, respectivamente. De acordo com Calvino, então, o estabelecimento do Reino de Deus ocorreu no primeiro advento de Cristo.
A vinda de um como filho do homem ao Ancião de Dias (v. 13-14) é a seção culminante desta visão, e é de importância crucial. Muita confusão tem sido causada pela suposição de que esse texto é uma profecia da Segunda Vinda de Cristo. O contexto impede tal interpretação. A visão em si é uma visão da sala do trono celestial. Depois que Deus está sentado em seu trono, o tribunal se senta em juízo e os livros são abertos (v. 10). O quarto animal é então julgado e destruído, enquanto os demais recebem um alívio temporário (v. 11-12). Isso apronta o cenário para a visão de Daniel daquele como filho do homem.
No versículo 13, Daniel testemunha "um como o Filho do homem" vindo com as nuvens do céu até o Ancião de Dias (que está sentado na sala do trono celestial) para ser apresentado diante dele. A expressão aramaica bar 'enash, traduzida literalmente como "filho do homem", é um semitismo que significa simplesmente "ser humano". O que Daniel vê, então, é um "como um ser humano", em oposição a outro animal "como um urso" ou "como um leopardo." Este como um filho do homem vem ao Ancião de dias e é apresentado diante dele (v. 13). A "vinda" que é vista nesta visão, então, não é uma vinda de Deus ou a vinda de um como filho do homem do céu para a terra. É uma vinda de um como filho do homem ao próprio Deus, que está assentado no céu em seu trono. A direção do movimento não é a partir do céu, mas para o céu. É por essa razão que esta visão não é uma profecia da Segunda Vinda de Jesus do céu para a terra. Pelo contrário, como Calvino há muito tempo explicou, é melhor entendida como uma profecia da ascensão de Cristo à destra de Deus depois da sua ressurreição (cf. At 1.9-11; 2.33; 5.31).
Aquele como o filho do homem é apresentado diante do Ancião de Dias com a finalidade de sua investidura. Quando ele é apresentado diante do Ancião de Dias, recebe um domínio e um reino em que todos devem servi-lo (v. 14a). Este reino dado àquele como o filho do homem será eterno (v. 14b). Como na visão de Daniel 2, vemos aqui uma representação de quatro reinos humanos seguido pelo estabelecimento do reino eterno de Deus. Ambos os textos parecem indicar que o reino de Deus será estabelecido no momento do quarto reino humano (Roma). Isto é, de fato, o que o Novo Testamento nos diz que aconteceu no primeiro advento de Cristo, quando lhe foi dada toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28.18).
Conclusão
Em nosso próximo post, vamos olhar para alguns dos textos mais importantes do Novo Testamento que nos revelam quem é o Messias, e o que ele fez por nós e pela nossa salvação.
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
Revisão: Vinicius Musselman
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Cristologia Ortodoxa: Novo Testamento (5/5)
Keith Mathison08 de Abril de 2016 - Teologia
A contribuição do Novo Testamento para a nossa compreensão da Pessoa de Cristo pode encher (e tem enchido) volumes inteiros de obras. Ele tem sido a fonte de rica e profunda meditação teológica durante séculos. Aqui poderemos meramente arranhar a superfície. Neste breve post, vamos olhar para as respostas a duas perguntas: quem Jesus alega ser, e quem seus discípulos dizem que ele é?
O testemunho próprio de Jesus
Não há dúvida de que Jesus se entendia como sendo o Messias profetizado no Antigo Testamento. Ele usa o título "Cristo" (que é a tradução grega da palavra hebraica "Messias") para si mesmo (p.ex., Jo 4.25-26; 17.3), e aceita que outros usem este título para se referirem a ele (p. ex., Mt 16.16; Jo 11.25-27). Aquilo que o Antigo Testamento prometeu, Jesus afirmava cumprir.
Embora Jesus tenha usado o título "Cristo" para si mesmo, sua auto-designação preferida era o título "Filho do Homem". Este título ocorre cerca de 69 vezes nos Evangelhos sinóticos e mais 13 vezes no Evangelho de João. Quase todas as vezes que o título ocorre, Jesus está usando-o em referência a si mesmo. "Filho do Homem" é em si um título messiânico, cujo significado completo só pode ser apreciado se examinarmos seu pano de fundo em Daniel 7, onde ele descreve uma figura que sobe para o Ancião de Dias e recebe o domínio sobre todas as coisas. Referindo-se a si mesmo como o "Filho do Homem", Jesus está dizendo, na verdade: "Eu sou aquele de quem Daniel falou".
Jesus não apenas se entendia como o Messias prometido, mas também diz e faz coisas ao longo dos Evangelhos que deixam claro que se entendia como sendo o Deus encarnado. Em muitos lugares, Jesus faz reivindicações que implicam sua eterna existência divina anterior à sua encarnação (p. ex., Jo 3.13; 6.62; 8.42). Sua declaração em Mateus 11.27 implica a soberania mútua que ele compartilha com o Pai. Várias das conhecidas afirmações "Eu sou" no Evangelho de João reivindicam ou implicam divindade (Jo 8.58; 13.19). Seus ensinamentos e obras indicam também que ele é Deus encarnado. Ele ensinou a lei como só Deus poderia fazer (Mt 5.22, 28, 32, 34, 39, 44). Ele perdoou pecados (Mt 9.6; Mc 2.10; Lc 5.24), um ato que somente Deus pode fazer. Ele ouve e responde a oração (Jo 14.13-14) e recebe adoração e louvor (Mt 21.16). Simplesmente não é possível ler honestamente os Evangelhos sem reconhecer que Jesus entende-se como o Messias, o Filho de Deus encarnado.
Jesus entende-se como o divino Filho de Deus e Messias, mas quem os discípulos dizem que ele é? Apesar de levar algum tempo para que os discípulos compreendam plenamente quem é Jesus, quando eles de fato reconhecem a verdade, não hesitam em declará-la corajosamente. Natanael chama Jesus de o Filho de Deus e o Rei de Israel (Jo 1.49). Pedro chama-o de "Senhor" (Lc 5.8) e o "Santo de Deus" (Jo 6.69). Mais tarde, Pedro declara que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16.16). Paulo também proclama que Jesus é o Cristo (At 17.2-3) e Senhor (1Co 1.2-3) e confessa a divindade de Cristo (Cl 1.15-20; 2.9; Fp 2.6-11). Quando lembramos a confissão básica dos judeus do Antigo Testamento de que o Senhor é um, estas afirmações sobre Jesus, vindas da boca de judeus, são ainda mais surpreendentes.
Várias passagens do Novo Testamento se referem explicitamente a Jesus como Deus. O Evangelho de João, por exemplo, abre com uma declaração da divindade de Cristo: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela [...] Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, os que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai" (Jo 1.1-5, 12-14). Aqui o Verbo, que é identificado com Jesus (v. 14), é dito ser "Deus" (v. 1). Não obstante as contorções exegéticas das Testemunhas de Jeová, esta passagem é inequívoca em sua declaração da divindade de Cristo.
O apóstolo Paulo também chama explicitamente Jesus de Deus em vários lugares. Em Romanos 9.5, ele escreve: "deles [os judeus] são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para sempre". Jesus Cristo, diz ele, é Deus sobre todos. Em Tito 2.13, Paulo fala da manifestação da "glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus". As palavras "Deus" e "Salvador" qualificam "Cristo Jesus". Isto é, Jesus Cristo é Deus e Salvador. Também, Pedro confessa que Jesus é Deus e Salvador no primeiro verso de sua segunda epístola. Pensar sobre as implicações dessas declarações mesmo que apenas por um momento é impressionante.
O Antigo Testamento declarou claramente que o Senhor nosso Deus é único (Dt 6.4). O Novo Testamento continua a enfatizar que Deus é um (Mc 12.29). Entrentanto, ao mesmo tempo, o Novo Testamento também declara que Jesus é Deus. O Novo Testamento está contradizendo o Antigo Testamento? Como os cristãos devem compreender estas afirmações? Como poderia a Igreja confessar que Deus é "um" e, ao mesmo tempo confessar que Jesus Cristo é Deus? A igreja levou vários séculos trabalhando essas questões para explicar o ensinamento do Novo Testamento de uma forma que levasse em conta todas as provas. Em nosso próximo post, vamos começar a olhar para o ensino da igreja primitiva sobre a Pessoa de Cristo.
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